Confesso que não lembrava o
quanto este Inspetor Faustão e o
Mallandro era surtado até revê-lo. O filme começa com a câmera passeando
por uma feira enquanto a voz de Deus (Paulo Cesar Pereio) reclama do comércio
de animais silvestres e procura seu novo campeão para proteger os animais. A
câmera passa por vários personagens que encontraremos ao longo do filme até
chegar no feirante Faustão (Faustão) e Deus decide que ele será seu novo
campeão, fulminando a barraca com um raio e, da fumaça da destruição, Faustão
surge já uniformizado de policial para o choque dos populares. Sim, um literal deus ex machina dá início ao filme e as
coisas não ficam menos doidas daí em diante.
Na trama, Faustão precisa encontrar
um casal de codornas, as últimas da espécie, que foram roubadas do zoológico no
qual Lucinha (Luiza Tomé), namorada de Faustão, trabalha. As codornas foram
roubadas pelo contrabandista Budum (Chiquinho Brandão) a mando do estadunidense
Tom Cru (Claudio Mamberti), que quer as codornas por conta das propriedades
misteriosas de seus ovos que supostamente o ajudariam a arrumar uma namorada.
Para encontrar as codornas
Faustão contará com o auxílio do novato Mallandro (Sérgio Mallandro), filho do
Superintendente (Costinha) da Polícia. O que não faz muito sentido, já que
Faustão em tese também seria um novato por ter sido recém transformado em
policial por Deus, a menos que o Criador tenha também manipulado memórias e
eventos de várias pessoas para fazer Faustão ter o conhecimento e o histórico
de um policial experiente. Ou talvez eu esteja pensando demais sobre coesão de
universo ficcional em um produto no qual o andamento da narrativa literalmente
segue os caprichos divinos.
É uma premissa muito, mas muito
idiota e o filme sabe disso. A trama é o que menos importa aqui e é um mero
gatilho para que o filme encadeie situações cômicas e números musicais. É uma
estrutura que remete bastante às antigas chanchadas nas quais tudo transcorria
através de cenas que funcionavam basicamente como esquetes minimamente
conectados por um fiapo de trama e sempre havia uma boate ou casa de show
frequentada pelos personagens para servir de desculpa para inserir números
musicais de artistas populares da época. Filmes como Carnaval no Fogo (1949), Carnaval Atlântida (1952) e De Vento em Popa (1957)
faziam isso e o mesmo acontece aqui. Os personagens frequentemente vão na boate
onde Sandrona (Claudia Alencar), a namorada de Mallandro, trabalha e lá veem
performance de artistas como Sidney Magal, Wando, Sandra de Sá ou Sylvinho Blau
Blau.
Tudo isso gera uma certa
inconsistência tonal de um filme que parece ser infantil, mas que tem muitos
momentos que apelam muito mais para o público adulto. Saímos de uma cena
pastelão bem pueril de Faustão e seu sobrinho Faustinho (Caíque Benigno)
brigando por um pudim (que termina com Faustinho levando um pudim na cara) para
um número musical de Wando ou Sidney Magal cantando Besame Mucho, artistas que não eram exatamente ídolos infantis.
Na verdade até mesmo o humor
parece voltado para um público mais adulto em muitos momentos, o que não
necessariamente significa um humor mais complexo ou rebuscado, apenas que trata
de coisas que não seriam exatamente feitas em um produto completamente voltado
a um público infantil. Em uma cena Faustão está prestes a beijar Lucinha e se
dirige para a câmera propondo um desafio para o público que assiste: se eles
conseguiriam se beijar por mais tempo que ele e seu par romântico conseguiriam.
Sim, tal qual um Deadpool adiposo, Faustão constantemente quebra a quarta
parede falando diretamente ao público como se tivesse ciência que é um
personagem em um filme. Muitas vezes ele faz os trocadilhos e comentários que
são costumazes em seu programa dominical, em outros faz piadas metalinguísticas
(como a do beijo) sobre o próprio filme.
A própria estrutura caótica
parece feita propositalmente para ser uma disrupção e um deboche da estrutura
clássica hollywoodiana, algo que era comum também nas antigas chanchadas. Assim
como as chanchadas também há aqui o desejo de debochar do que é estrangeiro, em
especial das culturas dominantes como os EUA. Não é a toa que o vilão seja um
gringo patético de meia idade com um nome que remete a um galã hollywoodiano
que vem ao Brasil com a intenção de se dar bem com as mulheres, mas não pega
ninguém.
A ideia é mostrar como esse ideal
viralatista de que estrangeiros sempre tem vantagem e são superiores é
ridículo, usando o humor justamente para rebaixar essas figuras que muitas
vezes são elevadas pelo desejo do brasileiro em querer ser estrangeiro. Se as
chanchadas iam até o fim com seu deboche, aqui, por outro lado, as coisas tem
um caminho mais conciliatório, com Tom Cru finalmente conseguindo uma namorada
ao final, o que derruba as intenções iniciais de zoar esse ideal por
estrangeirismos.
Como disse antes, a comédia se
apoia principalmente no pastelão e no trocadilho sem tentar usar esses recursos
de forma rebuscada, mas ainda assim tentando fazer piada com a realidade
brasileira. Um exemplo são os dois cachorros de Faustão, um cachorro maior
chamado Inflação e outro pequeno chamado Salário Mínimo, rendendo várias piadas
(que acabam cansando pela repetição) sobre o crescimento da inflação ou a
diminuição do salário mínimo. É uma metáfora simplória, longe de ser um primor
de sátira política que irá conscientizar as massas, mas que fazia certo sentido
no momento. Em 1991 estávamos em pleno governo Collor com uma hiperinflação
fora de controle que tirava cada vez mais o poder aquisitivo do cidadão.
Para amarrar a questão da comédia
com os números musicais, o filme insere uma trama de Mallandro querendo se
tornar cantor, o que dá ao personagem a chance de apresentar algumas canções de
Sérgio Malladro como Vem Fazer Glu Glu
e também a canção tema do filme, Rap do
Ovo. Cantada por Mallandro e Faustão, a música foi feita por ninguém menos
que Michael Sullivan, hitmaker
compositor de sucessos como Me Dê Motivo eternizada
por Tim Maia, Um Dia de Domingo
cantada por Gal Costa e também sucessos infantis como Lua de Cristal para Xuxa. Rap
do Ovo está longe (muito) desses trabalhos célebres de Sullivan, mas mostra
a sinergia que havia (e ainda existe) entre a produção audiovisual brasileira e
a indústria fonográfica. Ademais, a canção tem lá sua graça por conta da
performance bem-humorada de Sérgio Mallandro.
Inspetor Faustão e o Mallandro é uma comédia caótica e sem sentido
que consegue transformar em virtude o que poderiam seus maiores defeitos.
Clipe de O Rap do Ovo
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