Eu já tinha visto Apocalypse Now (1979) algumas vezes e já tinha ouvido falar
do documentário O Apocalipse de um
Cineasta (1991), que mostra o conturbado processo de filmagem de Apocalypse Now na selva filipina, mas só
agora assisti o documentário, que é um competente registro de uma produção fora
de controle.
Os registros de bastidores foram
feitos Eleanor, esposa do diretor Francis Ford Coppola, com o intento de serem
um making of do filme. As coisas
saíram tanto do controle durante os mais de 200 dias de filmagem que as imagens
captadas por Eleanor não foram usadas na divulgação do filme e só foram
apresentadas ao público neste documentário.
O documentário começa com uma
entrevista com Coppola no qual ele diz que Apocalypse
Now foi feito como se fosse a própria Guerra do Vietnã, com um grupo grande
de pessoas pretensiosas na selva, com muito dinheiro a disposição e sem muita
ideia do que estavam fazendo. De fato é o que acontece. Apesar de ter
financiado a produção do próprio bolso, Francis Ford Coppola tinha bolsos
razoavelmente fundos, o que permitiu por exemplo, construir sets enormes, como
o templo do coronel Kurtz, graças à mão de obra barata do local. Trabalhando em
condições precárias, os operários filipinos recebiam valores tão baixos que um
dos produtores se pergunta se estavam explorando a população local (sim,
estavam).
As imagens de bastidores também
ilustram as muitas dificuldades que atrasaram a produção e que estavam fora do
controle da equipe, como os furacões e tempestades que destruíram sets de
filmagem ou os problemas de acesso a equipamento militar. Apesar de ter
acertado com o presidente das Filipinas para alugar helicópteros e outros
equipamentos das forças armadas do país, o governo constantemente chamava as
aeronaves de volta por conta da guerra civil que ocorria no país e a
necessidade do governo em combater os rebeldes. Tudo isso vai aos poucos
elevando as tensões no set, conforme Coppola fica mais e mais preocupado com o
resultado final, já que ele arrisca falência se a produção não der certo.
Por outro lado, também é visível
que muitos problemas vinham das ações da própria equipe. Como a falta de visão
clara de Coppola em relação a muitas cenas, especialmente o final, que demorou
a ser gravado porque ele ficava fazendo cenas de improviso com Marlon Brando e
Martin Sheen. O estimulo ao uso de drogas para despertar estados alterados de
comportamento também é um exemplo desses problemas, tornando atores como Dennis
Hopper difíceis de controlar no set e causando problemas de saúde (físicos e
mentais) a outros membros do elenco, como Martin Sheen que teve um infarto aos
36 anos.
O filme e a narração de Eleanor
Coppola tem o cuidado de destacar que essa situação era verdadeiramente
perigosa e que não é algo a ser exaltado ou romantizado. Pessoas não deveriam
surtar para fazer um filme, mesmo que interpretando personagens surtados. Todas
as técnicas e métodos de composição de personagem que foram desenvolvidos no
campo das artes cênicas existem, entre outras coisas, para preservar a
integridade mental dos atores. Para possibilitar a eles meios de habitar as
psiques e comportamentos de personagens que estão completamente distanciados de
quem esses atores são sem que eles precisem vivenciar a realidade dessas
situações extremas. Afinal, se for para surtar ou se drogar de verdade não
precisa de um ator profissional com anos de treinamento, bastar catar um
anônimo qualquer da rua e atormentar o sujeito até ele se desequilibrar e filmar
isso.
Eu digo isso sem nenhuma intenção
de desmerecer os resultados e méritos artísticos de Apocalypse Now, que é de fato um exame poderoso dos horrores da
guerra, minha intenção é ponderar, conforme mostrado pelo documentário, que
muitos desses métodos extremos aos quais Coppola e o elenco recorreram são
atalhos arriscados. E eles usaram esses atalhos justamente por conta dos
múltiplos problemas de cronograma, por conta da falta de clareza do diretor em
termos do que ele queria filmar e outros problemas. Claro, eventualmente
Coppola conseguiu encontrar a visão de filme que queria e ao final fez dar
certo, mas no meio do caminho disso tudo arriscou inclusive a vida de seu
elenco e dele próprio, já que em áudios captados por Eleanor ele chega a
considerar o suicídio, e o filme poderia nunca ter sido completado.
O Apocalipse de um Cineasta retrata os perigos de uma produção
descontrolada que recorre a extremos e arrisca a equipe e o próprio diretor.
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