O Decamerão escrito por Boccaccio no século XIV representava uma
importante ruptura do olhar artístico de sua época. Nele, não era mais o
divino, o metafísico que movia os personagens, não era o amor espiritual que
estava em jogo. Eram os valores terrenos, carnais, da natureza, que motivavam
seus personagens, tirando as histórias do metafísico e da moral medieval e
inserindo essas tramas no domínio do realismo. Este A Comédia dos Pecados é levemente baseado nos escritos de Boccaccio
tenta exatamente parodiar essa transição do discurso medieval para o discurso
realista recorrendo ao deboche e ao absurdo.
A trama se passa em um convento
no interior da Itália medieval e é centrado em um grupo de freiras que começa a
ficar instável por conta da clausura. As coisas se complicam com a chegada de
Massetto (Dave Franco), que chega no convento fugindo de nobre que quer
matá-lo. Massetto finge ser surdo-mudo e começa a trabalhar no convento, mas a
lascívia das freiras e as confusões que se instalam tornam difícil que ele
consiga manter a farsa.
Muito do humor vem da conduta
surtada das freiras, que atacam e ofendem com uma série de profanidades
qualquer um que as desagrade. A irmã Fernanda é o papel que Aubrey Plaza nasceu
para fazer, sempre gritando e ofendendo todos a sua volta ao mesmo tempo que se
envolve com um culto pagão de fertilidade. Assim como Plaza, as demais freiras
também mergulham de cabeça na conduta insana e exagerada de suas personagens,
acreditando e fazendo funcionar as situações mais piradas, em especial o clímax
no qual a irmã Ginevra (Kate Micucci) fica surtada sob efeito de psicotrópicos.
Esses momentos de absurdo, no
qual o realismo e o carnal vão de encontro ao metafísico e o espiritual, são os
melhores momentos do filme, tanto em termos de comédia quanto em termos de
adesão aos ideais da obra do Boccaccio. Inclusive não deixa de ser curioso que
mesmo 700 anos depois do autor italiano, a ideia de mostrar freiras e padres
como seres humanos dotados dos mesmos desejos e falhas de qualquer outro
continue gerando controvérsia (várias entidades religiosas protestaram contra o
filme na época de seu lançamento), o que mostra como ainda estamos presos a uma
visão arcaica, conservadora e excessivamente dogmática sobre a religião.
Por outro lado, apesar de um tipo
de humor cuja sensibilidade é bem contemporânea, o fluxo da trama é bastante
aderente ao realismo da época na qual tudo se passa, o que significa que tudo é
muito lento e em vários momentos temos longas cenas com as personagens fazendo
atividades banais, tipo lavar roupa, que nunca rendem nada particularmente
engraçado ou crítico como os momentos de crise, surto e absurdo que funcionam
tão bem. Com isso, apesar da energia das cenas cômicas, a sensação é um produto
relativamente arrastado.
Apesar da trama lenta, A Comédia
dos Pecados diverte pelo seu senso de absurdo e o olhar que dá ao
dogmatismo religioso.
Nota: 7/10
Trailer
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