quinta-feira, 18 de junho de 2020

Crítica – Kidding: 1ª Temporada


Análise Crítica – Kidding: 1ª Temporada

Review – Kidding: 1ª TemporadaEu não sabia exatamente o que esperar de Kidding. Fui assistir por conta do elenco encabeçado por Jim Carrey e por algumas cenas que viralizaram na internet por conta de sua inventividade visual. O que encontrei foi uma excelente mescla de drama e comédia que examina as consequências do trauma na psique humana.

Na trama, Jeff Picles (Jim Carrey) é um famoso apresentador infantil que há anos conduz um programa educativo televisivo com marionetes em uma emissora de acesso público. Jeff fica devastado com a morte de um de seus filhos em um acidente de carro e tem dificuldade em lidar com o próprio luto, principalmente porque sua esposa, Jill (Judy Greer), se separa dele e Jeff vê tudo desmoronar ao seu redor. Ao invés de processar todos esses sentimentos, Jeff os engole a seco e tenta manter a personalidade otimista e gentil de seu personagem televisivo, o Sr. Picles, o que obviamente só agrava seu estado mental.

Poucos atores dariam conta de um personagem como Jeff da maneira que Jim Carrey faz aqui. O ator dá conta das múltiplas facetas do apresentador de maneira bastante natural, transitando entre a personalidade lúdica e brincalhona do Sr. Picles quanto seu lado mais depressivo e autodestrutivo. Jeff, no entanto, não é o único de sua família com problemas emocionais. Seu pai, Seb (Frank Langella), e sua irmã, Deirdre (Catherine Keener) também tem seus próprios problemas emocionais.

Deirdre também vê seu casamento desmoronando ao descobrir que o marido é gay e mantém um caso com o professor de piano da filha. Ela também lida com o fato de Seb sempre ter priorizado Jeff e se sente à sombra do irmão. Já Seb se sente emocionalmente alienado da família, uma consequência direta de suas próprias ações como pai, sempre resguardando o afeto concedido aos filhos e tratando-os com dureza.

No caso de Jeff, muito do conflito emocional do personagem vem do fato de que o apresentador conectou sua personalidade com a de seu alter-ego televisivo, fundindo os dois em um só indivíduo. A partir do momento que os sentimentos dele como Jeff entram em dissonância com a conduta alegre e “família”, a psique de Jeff se torna fraturada. Ele tenta forçosamente manter seu personagem o tempo todo enquanto seus problemas emocionais cozinham dentro de si até eventualmente explodirem.

As dificuldades de lidar com essa persona pública “perfeita” não é um problema que incide apenas em Jeff, mas nas pessoas ao redor. A imagem de Jeff projeta uma ampla sombra sobre Jill e Will (Cole Allen), seu outro filho, que nunca se sentem à altura de estar ao lado do perfeito Sr. Picles. Apesar de mostrar os problemas da vida pessoal de Jeff, a trama também mostra como o programa dele de fato foi uma influência positiva na vida de várias pessoas, como a gentileza de Jeff ajudou muitos a melhorarem.

O roteiro também é hábil em nos mostrar as causas e consequências das ações dos personagens, nos fazendo entender as razões deles agirem de uma determinada maneira ou como ações de outros os afetaram. Compreendemos, por exemplo, que a conduta extremamente mansa de Jeff vem justamente do medo que ele tem de extravasar a própria raiva como fez durante a infância, incentivado pelo pai a sempre ser agressivo. Nesse sentido, a calma e gentileza de Jeff são uma tentativa extrema de corrigir seus problemas do passado. O desfecho da temporada, que acaba com um evento impactante, é justamente a consequência explosiva da explosão de todos os sentimentos que Jeff não conseguiu conter dentro de si.

Além de falar sobre os problemas pessoais de seus personagens, a série também trata de nossa relação com os meios de massa e com o consumo. Seb, que agencia a carreira de Jeff, não o deixa fazer um programa sobre morte e luto porque isso afastaria as crianças e diminuiria a receita de brinquedos vendidos, já que luto não é algo que se possa transformar em um produto a ser comercializado para crianças. Ou seja, para Seb e a emissora, a conversa sobre educação sentimental das crianças só é importante e tem valor a partir do momento que pode ser explorado financeiramente como produto e qualquer coisa que não pode ser transformada em produto não interessa, independente de seu valor artístico, moral ou ético.

Do mesmo modo a figura do Sr. Picles revela como muitos pais simplesmente delegam à televisão a educação dos filhos, não se importando em ouvi-los ou em atender suas necessidades afetivas, achando que basta dar aos filhos bens materiais e deixar que a televisão os diga o que fazer o tempo todo. Os arcos de Jeff, Deirdre e dos filhos deles mostram também as consequências dessa alienação afetiva dos pais. Isso fica evidente no último episódio, quando Jeff se propõe a ouvir as crianças e centenas delas fazem fila na porta da emissora para terem a chance de serem ouvidas pelo apresentador.

A primeira temporada de Kidding é um cuidadoso estudo na psique fraturada de seu protagonista, trazendo drama e comédia para discutir trauma, comunicação de massa e relações parentais.

Nota: 9/10


Trailer

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