terça-feira, 23 de junho de 2020

Crítica – Kidding: 2ª Temporada


Análise Crítica – Kidding: 2ª Temporada

Review – Kidding: 2ª Temporada
Depois de uma excelente primeira temporada em que a série Kidding levou seu protagonista provavelmente até o fundo do poço de onde os sentimentos reprimidos dele poderiam levá-lo, essa segunda temporada parece voltada a mostrar o esforço do personagem em se reerguer. Em muitos casos é difícil que uma série com um ano de estreia tão bom consiga manter o nível em temporadas posteriores, mas essa segunda consegue ser tão boa quanto a primeira.

A narrativa retoma exatamente no ponto em que a primeira temporada acabou. Depois de atropelar Peter (Justin Kirk), o namorado de Jill (Judy Greer), Jeff (Jim Carrey) decide doar o próprio fígado para salvar a vida dele. Ao mesmo tempo, Deirdre (Catherine Keener) dá prosseguimento ao processo de divórcio do marido e tenta ajudar Jeff a reerguer o programa de televisão.

Se o mote da primeira temporada era descer ao fim da cachoeira e entender as decisões que levaram a essa queda, o mote da segunda parece ser o da reparação. Em como, depois das coisas serem inevitavelmente destruídas, é possível reconstruir as coisas, em que medida existe a possibilidade de reparação. Claro que, tal qual a primeira temporada, os personagens permaneçam sujeitos falhos, que nem sempre tomam as melhores ou mais louváveis decisões.

A trama mostra como esse esforço pela reparação precisa antes passar pelo processo de entender como as coisas foram quebradas. No caso de Jeff, acompanhamos ele no retorno ao próprio passado, revendo a relação entre ele e o pai, Seb (Frank Langella), e como Jeff sempre ficou confortavelmente confinado ao mundo de fantasia que seu pai criou para ele. Revisitando a relação com a mãe, Louise (Annette O’Toole), Jeff lembra que ela nunca o amou. Assim, equivocadamente, o protagonista se entrega completamente ao trabalhando achando que isso substituirá o ideal de família que ele nunca conseguiu ter.

De maneira semelhante, Deirdre acha que para retomar o controle de sua vida precisa retornar ao ponto em que ajudou Jeff a criar o show. Para conseguir o que deseja, ela literalmente se torna igual ao pai e trata a própria filha com o mesmo desdém que tanto criticou em Seb. O momento em que Deirdre conversa com Seb no hospital e move a boca do pai para simular o sorriso de aprovação dele com o fato de Deirdre ter trocado a guarda da filha pelos direitos aos fantoches evidencia o quão triste, carente e emocionalmente danificada a personagem é.

A ideia de reparação, de retorno e revisão do passado também é trabalhada nos arcos de Seb e Will (Cole Allen). No caso de Seb o AVC que ele sofre torna o personagem preso às próprias memórias, refém do passado e incapaz de sair dele. Há algo de poético e trágico no fato dele acabar no mesmo asilo da ex-esposa e que eles se reaproximem justamente por não reconhecerem um ao outro, como se eles estivessem fadados a se encontrarem, mas são tão incompatíveis que só podem ficar juntos se não conseguirem se lembrar do que fizeram um ao outro.

Já Will tenta literalmente viajar no tempo para fazer os pais voltarem e de início toda a trama soa fantasiosa demais mesmo para o regime de absurdo da série. Aos poucos, no entanto, e principalmente no episódio final, o arco de Will vai se integrando melhor ao de Jeff e Jill e tudo consegue ser amarrado. O que acontece não é uma viagem literal no tempo, mas uma viagem metafórica, operada num nível sentimental, que se amarra justamente com o tema da reparação que permeou toda a temporada. Para que Jeff e Jill possam se reunir, precisam viajar de volta a um tempo em que se amavam, em que o trauma da morte de Phil não pairava sobre eles. Para isso, Jeff precisa antes reconhecer o trauma que tanto sufocou e a cena final mostra, de maneira simbólica, como o casal consegue retornar a um tempo em que Phil estava vivo e como isso reacende o sentimento deles.

Além de todo o drama, a série também oferece muitos momentos de comédia e de puro absurdo. O melhor exemplo é o episódio envolvendo o enterro no mar da versão filipina do Sr. Picles e todo caos que se instaura quando os Picles de diferentes países começam a atacar Jeff e tudo se transforma em uma grande batalha corporal de apresentadores infantis. O elo fraco da temporada é o que envolve os bonecos de conversa de Jeff, já que mesmo no regime levemente fantasioso da série é difícil crer que algo assim daria certo, que não seria proibido em vários países por questões de privacidade em relação às crianças, além disso o funcionamento de toda a estrutura de como Jeff interagiria com tantas pessoas nunca é explicado de maneira convincente.

Esse, no entanto, é um problema menor em uma temporada que acerta em aprofundar a análise dos traumas de seus personagens e a possibilidade deles se reerguerem.


Nota: 8/10


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