Depois de uma excelente primeira temporada em que a série Kidding
levou seu protagonista provavelmente até o fundo do poço de onde os sentimentos
reprimidos dele poderiam levá-lo, essa segunda temporada parece voltada a
mostrar o esforço do personagem em se reerguer. Em muitos casos é difícil que
uma série com um ano de estreia tão bom consiga manter o nível em temporadas
posteriores, mas essa segunda consegue ser tão boa quanto a primeira.
A narrativa retoma exatamente no
ponto em que a primeira temporada acabou. Depois de atropelar Peter (Justin
Kirk), o namorado de Jill (Judy Greer), Jeff (Jim Carrey) decide doar o próprio
fígado para salvar a vida dele. Ao mesmo tempo, Deirdre (Catherine Keener) dá
prosseguimento ao processo de divórcio do marido e tenta ajudar Jeff a reerguer
o programa de televisão.
Se o mote da primeira temporada
era descer ao fim da cachoeira e entender as decisões que levaram a essa queda,
o mote da segunda parece ser o da reparação. Em como, depois das coisas serem
inevitavelmente destruídas, é possível reconstruir as coisas, em que medida
existe a possibilidade de reparação. Claro que, tal qual a primeira temporada,
os personagens permaneçam sujeitos falhos, que nem sempre tomam as melhores ou
mais louváveis decisões.
A trama mostra como esse esforço
pela reparação precisa antes passar pelo processo de entender como as coisas
foram quebradas. No caso de Jeff, acompanhamos ele no retorno ao próprio
passado, revendo a relação entre ele e o pai, Seb (Frank Langella), e como Jeff
sempre ficou confortavelmente confinado ao mundo de fantasia que seu pai criou
para ele. Revisitando a relação com a mãe, Louise (Annette O’Toole), Jeff
lembra que ela nunca o amou. Assim, equivocadamente, o protagonista se entrega
completamente ao trabalhando achando que isso substituirá o ideal de família
que ele nunca conseguiu ter.
De maneira semelhante, Deirdre
acha que para retomar o controle de sua vida precisa retornar ao ponto em que
ajudou Jeff a criar o show. Para conseguir o que deseja, ela literalmente se
torna igual ao pai e trata a própria filha com o mesmo desdém que tanto
criticou em Seb. O momento em que Deirdre conversa com Seb no hospital e move a
boca do pai para simular o sorriso de aprovação dele com o fato de Deirdre ter
trocado a guarda da filha pelos direitos aos fantoches evidencia o quão triste,
carente e emocionalmente danificada a personagem é.
A ideia de reparação, de retorno
e revisão do passado também é trabalhada nos arcos de Seb e Will (Cole Allen).
No caso de Seb o AVC que ele sofre torna o personagem preso às próprias
memórias, refém do passado e incapaz de sair dele. Há algo de poético e trágico
no fato dele acabar no mesmo asilo da ex-esposa e que eles se reaproximem
justamente por não reconhecerem um ao outro, como se eles estivessem fadados a
se encontrarem, mas são tão incompatíveis que só podem ficar juntos se não
conseguirem se lembrar do que fizeram um ao outro.
Já Will tenta literalmente viajar
no tempo para fazer os pais voltarem e de início toda a trama soa fantasiosa
demais mesmo para o regime de absurdo da série. Aos poucos, no entanto, e
principalmente no episódio final, o arco de Will vai se integrando melhor ao de
Jeff e Jill e tudo consegue ser amarrado. O que acontece não é uma viagem
literal no tempo, mas uma viagem metafórica, operada num nível sentimental, que
se amarra justamente com o tema da reparação que permeou toda a temporada. Para
que Jeff e Jill possam se reunir, precisam viajar de volta a um tempo em que se
amavam, em que o trauma da morte de Phil não pairava sobre eles. Para isso,
Jeff precisa antes reconhecer o trauma que tanto sufocou e a cena final mostra,
de maneira simbólica, como o casal consegue retornar a um tempo em que Phil
estava vivo e como isso reacende o sentimento deles.
Além de todo o drama, a série
também oferece muitos momentos de comédia e de puro absurdo. O melhor exemplo é
o episódio envolvendo o enterro no mar da versão filipina do Sr. Picles e todo
caos que se instaura quando os Picles de diferentes países começam a atacar
Jeff e tudo se transforma em uma grande batalha corporal de apresentadores
infantis. O elo fraco da temporada é o que envolve os bonecos de conversa de
Jeff, já que mesmo no regime levemente fantasioso da série é difícil crer que
algo assim daria certo, que não seria proibido em vários países por questões de
privacidade em relação às crianças, além disso o funcionamento de toda a
estrutura de como Jeff interagiria com tantas pessoas nunca é explicado de
maneira convincente.
Esse, no entanto, é um problema
menor em uma temporada que acerta em aprofundar a análise dos traumas de seus
personagens e a possibilidade deles se reerguerem.
Nota: 8/10
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