Durante muito tempo o cinema foi
considerado um meio de natureza visual. A chegada da projeção síncrona do som
no final da década de 1920 provocou um intenso debate sobre a natureza desse
meio expressivo e o lugar do som no audiovisual. Nessa época, muito se falou
sobre o som ser uma espécie de apêndice, um acompanhamento redundante
desnecessário que vulgarizava a dita pureza visual do cinema. Durante muito
tempo essa visão prevaleceu, com o som sendo tratado como algo menos
importante.
Só lá pelos anos 80 que teóricos
como Rick Altman ou Michel Chion começaram a defender o valor expressivo do
som, não como um mero acompanhamento, mas como uma outra camada de produção de
sentidos, sensações e emoções. Chion chegou a cunhar o termo “valor
acrescentado” para se referir a como o som agregava capacidade expressiva ao
audiovisual. Eu digo tudo isso porque este A
Vastidão da Noite, que chegou no Brasil via Amazon Prime, resgata
exatamente essa ideia da força expressiva do som.
A trama se passa no interior dos
Estados Unidos da década de 50, um período em que o rádio começava a perder
espaço para a televisão. Em uma noite, o locutor de rádio Everett (Jake
Horowitz) e sua melhor amiga Fay (Sierra McCormick), uma operadora de central
telefônica, descobrem uma estranha frequência sonora e decidem investigar.
A trama tem todo o clima de um
conto de mistério e ficção científica da década de cinquenta (pensem em Além da Imaginação), inclusive com uma
abertura que remete a programas de mistério da época. Seu modo de contar a
história, no entanto, é quase radiofônico, centrado principalmente em longos
diálogos filmados sem cortes conforme Everett ou Fay conversam com pessoas via
telefone. Nesse sentido, há um competente trabalho de condução dos atores por
essas longas tomadas sem corte, repletas de falas ou apenas com os personagens
reagindo à fala de alguém via telefone. Esse senso de continuidade ininterrupta
ajuda a nos colocar ali, junto com os personagens, acompanhando em tempo real
as estranhas transmissões.
A natureza radiofônica é também
ressaltada pelos momentos em que o filme abandona as imagens, deixando apenas o
som das conversas transmitidas via rádio diante de uma tela completamente
preta. Esses momentos acontecem primordialmente durante diálogos em que personagens
descrevem fenômenos estranhos que observaram, como se o filme pedisse que nos
guiássemos apenas pelo som e pela descrição verbal para imaginarmos o que
aconteceu, deixando que o áudio forme essas imagens em nossa mente.
A narrativa caminha em um crescente
clima de mistério, sugerindo aos poucos a presença de algo poderoso e externo
envolvido nos fenômenos captados pelos protagonistas. Não chega a ser algo de
te deixar na beira da poltrona, roendo as unhas de tensão, no entanto, é
suficientemente bem construído para nos deixar curiosos sobre o que acontecerá
a seguir.
Apesar de entender que é uma
trama de fluxo mais lento, ampliando os perigos aos poucos até tudo explodir
nos personagens, ainda assim ela demora para engrenar. Considerando seus curtos
noventa minutos, o primeiro terço da trama praticamente não move a narrativa
para frente, acompanhando Everett e Fay conforme eles caminham pela rua.
Qualquer pessoa que parasse de assistir o filme em sua primeira meia hora
sequer saberia do que se trata e o que se planeja para aqueles personagens.
Esse início parece mais feito para mostrar o afeto que o diretor Andrew
Patterson tem pelo período retratado e como ele se manteve fiel a essa
ambientação.
De todo modo, quem perseverar em
acompanhar A Vastidão da Noite
encontrará um envolvente mistério que remete à força da dimensão sonora do
audiovisual.
Nota: 7/10
Trailer
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