quarta-feira, 3 de junho de 2020

Crítica – A Vastidão da Noite


Análise Crítica – A Vastidão da Noite

Review – A Vastidão da NoiteDurante muito tempo o cinema foi considerado um meio de natureza visual. A chegada da projeção síncrona do som no final da década de 1920 provocou um intenso debate sobre a natureza desse meio expressivo e o lugar do som no audiovisual. Nessa época, muito se falou sobre o som ser uma espécie de apêndice, um acompanhamento redundante desnecessário que vulgarizava a dita pureza visual do cinema. Durante muito tempo essa visão prevaleceu, com o som sendo tratado como algo menos importante.

Só lá pelos anos 80 que teóricos como Rick Altman ou Michel Chion começaram a defender o valor expressivo do som, não como um mero acompanhamento, mas como uma outra camada de produção de sentidos, sensações e emoções. Chion chegou a cunhar o termo “valor acrescentado” para se referir a como o som agregava capacidade expressiva ao audiovisual. Eu digo tudo isso porque este A Vastidão da Noite, que chegou no Brasil via Amazon Prime, resgata exatamente essa ideia da força expressiva do som.

A trama se passa no interior dos Estados Unidos da década de 50, um período em que o rádio começava a perder espaço para a televisão. Em uma noite, o locutor de rádio Everett (Jake Horowitz) e sua melhor amiga Fay (Sierra McCormick), uma operadora de central telefônica, descobrem uma estranha frequência sonora e decidem investigar.

A trama tem todo o clima de um conto de mistério e ficção científica da década de cinquenta (pensem em Além da Imaginação), inclusive com uma abertura que remete a programas de mistério da época. Seu modo de contar a história, no entanto, é quase radiofônico, centrado principalmente em longos diálogos filmados sem cortes conforme Everett ou Fay conversam com pessoas via telefone. Nesse sentido, há um competente trabalho de condução dos atores por essas longas tomadas sem corte, repletas de falas ou apenas com os personagens reagindo à fala de alguém via telefone. Esse senso de continuidade ininterrupta ajuda a nos colocar ali, junto com os personagens, acompanhando em tempo real as estranhas transmissões.

A natureza radiofônica é também ressaltada pelos momentos em que o filme abandona as imagens, deixando apenas o som das conversas transmitidas via rádio diante de uma tela completamente preta. Esses momentos acontecem primordialmente durante diálogos em que personagens descrevem fenômenos estranhos que observaram, como se o filme pedisse que nos guiássemos apenas pelo som e pela descrição verbal para imaginarmos o que aconteceu, deixando que o áudio forme essas imagens em nossa mente.

A narrativa caminha em um crescente clima de mistério, sugerindo aos poucos a presença de algo poderoso e externo envolvido nos fenômenos captados pelos protagonistas. Não chega a ser algo de te deixar na beira da poltrona, roendo as unhas de tensão, no entanto, é suficientemente bem construído para nos deixar curiosos sobre o que acontecerá a seguir.

Apesar de entender que é uma trama de fluxo mais lento, ampliando os perigos aos poucos até tudo explodir nos personagens, ainda assim ela demora para engrenar. Considerando seus curtos noventa minutos, o primeiro terço da trama praticamente não move a narrativa para frente, acompanhando Everett e Fay conforme eles caminham pela rua. Qualquer pessoa que parasse de assistir o filme em sua primeira meia hora sequer saberia do que se trata e o que se planeja para aqueles personagens. Esse início parece mais feito para mostrar o afeto que o diretor Andrew Patterson tem pelo período retratado e como ele se manteve fiel a essa ambientação.

De todo modo, quem perseverar em acompanhar A Vastidão da Noite encontrará um envolvente mistério que remete à força da dimensão sonora do audiovisual.

Nota: 7/10


Trailer

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