Lembro do vidente Walter Mercado aparecendo na televisão brasileira no final da década de 90 fazendo previsões astrológicas e dos comerciais de seu “disque-vidente”, mas, apesar de sua aparência excêntrica, nunca dei muita atenção a ele. Também nunca me chamou atenção o seu desaparecimento súbito das telas, parecia só mais uma tendência de entretenimento que tinha se esgotado. Pois o documentário Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado chega para dar um outro entendimento à trajetória do vidente e como ele foi de um ator de telenovelas em canais hispanohablantes nos Estados Unidos até a fama internacional.
O documentário narra a vida do vidente, sua infância em
Porto Rico e sua ascensão à fama. Há uma defesa para a relevância da figura de
Mercado na televisão por questões de representatividade. Numa época em que
poucos latinos chegavam ao mainstream
das grandes emissoras dos Estados Unidos, ter esse guru latino respeitado por
todos serviria como valorização da comunidade.
O filme também chama atenção para a sexualidade do vidente,
que era constantemente alvo de piadas e imitações em programas de humor (como o
personagem Walter Merdado na Praça é
Nossa) que em geral o ridicularizavam pelo seu jeito andrógino e afeminado.
Walter é elusivo em tratar a questão da sexualidade, precisando ser pressionado
pelos entrevistadores (um dos poucos momentos em que o filme nos deixa ouvir as
perguntas) até admitir ser virgem e se assumir como assexuado.
Talvez o que desperte mais a curiosidade do público sejam as
explicações para o desaparecimento súbito de Walter da mídia. Tudo por conta de
uma batalha legal de quase uma década entre o vidente e seu antigo empresário,
Bill Bakula, que aparentemente abusou da confiança de Walter e o fez concordar
com um contrato unilateral em que cedia para ele total controle sobre sua
imagem, nome, marcas,etc para sempre. Era algo claramente abusivo, que só se
explica pela ingenuidade do vidente ou excesso de confiança que ele tinha no
então empresário.
Toda a disputa é retratada por um viés um pouco maniqueísta,
tratando o empresário como vilão da história. Essa simplificação, no entanto,
não é inteiramente injustificada se levarmos em conta que Bakula em momento
algum parece fazer qualquer autocrítica, considerar que seu contrato era
unilateral e abusivo ou mesmo demonstrar qualquer esforço para parecer um ser
humano dotado de um mínimo de empatia. Ou seja, não é tanto que o filme queira
(embora de fato demonstre isso) colocar Bakula como vilão, mas Bakula parece,
ao menos pelo que é colocado no filme, se comportar como um sujeito sem
escrúpulo.
Há uma tentativa de mostrar a contradição entre o discurso
de Walter de querer levar uma mensagem positiva para as pessoas, de que quer
“vender” autoestima e não previsões específicas sobre seus clientes ganharem na
loteria ou a data em que irão casar e o discurso dos comerciais de seus
“disques-videntes”, que prometiam exatamente esse tipo de previsão. Mais uma
vez Walter se esquiva e precisa que o entrevistador insista nas perguntas sobre
práticas de charlatanismo para que o vidente chegue a dar uma resposta mais
direta, embora Walter apenas jogue no colo do empresário, que tinha total
controle sobre a marca dele e ele não sabia de nada.
É uma resposta plausível considerando o que a narrativa
mostra sobre a índole de Bakula e a natureza abusiva do contrato de ambos, mas,
ao mesmo tempo, o filme parece aceitar muito rápido essa justificativa e não
faz qualquer esforço para verificar a afirmação de Walter, quase como se não
quisesse arriscar mostrá-lo sob uma luz muito negativa. Isso não significa que
o documentário é plenamente laudatório, já que o filme mostra o lado frágil que
Walter não queria exibir na mídia, como os muitos problemas de saúde após o
longo processo o fizeram decidir se afastar dos holofotes já que não queria ser
visto dessa forma vulnerável, o que demonstra a vaidade e egocentrismo do
vidente.
O final se alonga um pouco demais em retratar a preparação
de uma exposição em homenagem a Walter em um museu de Miami. Eu entendo a
necessidade de colocar o evento no filme, já que seria a redenção do
protagonista e seu retorno aos holofotes. A questão é que ao invés de expor as
etapas da produção da exposição, dos ensaios fotográficos e passar direto para
a noite de abertura, mostrando as interações dele com os populares e a imprensa
de modo a retratar como ele ainda é querido.
Ligue Djá: O Lendário
Walter Mercado não tem nada de muito chamativo em termos de linguagem
documental, mas é sustentado pelo magnetismo de seu excêntrico protagonista e
por oferecer algumas respostas sobre sua trajetória.
Nota: 7/10
Trailer
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