Pelo trailer Os Tubarões de Copacabana parece ser um daqueles filmes sobre amigos que se reencontram depois de um tempo afastados e passam a refletir sobre a vida, sobre o passado e pensar nos rumos que tomaram. De certa forma ele é sobre isso, mas, ao mesmo tempo, trata de tantas outras coisas que mal consegue construir uma mensagem coesa.
Na trama, Nando (Raul Gazolla) recebe a notícia que Neto, um
amigo de sua antiga turma de surfe, morreu em um acidente. Apesar de estarem
afastados desde que Neto casou com uma ex-namorada de Nando, Zulma (Alcione
Mazzeo), ele resolve ir ao velório acompanhado dos outros membros da turma. O
evento serve de catalisador para o reencontro de Nando com Tiago (Ricardo Macchi),
Ezequiel (Ricardo Herriot), Bruno (Alex Teix) e Marcelo (Andre Luiz Pereira).
Ao mesmo tempo, Nando precisa lidar com o fato de seu pai estar com câncer
terminal e com os avanços de Nicole (Rayane Morais), a filha de Zulma com Neto.
Personagens e eventos inúteis
Ao longo do filme aparecem inúmeros elementos que não
acrescentam nada ao desenvolvimento da trama. Um deles é a informação de que
Neto foi atropelado por um carro que transportava o presidente da república. Em
geral quando uma narrativa dá uma informação tão específica é porque ela vai
ser importante de alguma maneira e terá algum impacto na narrativa. Isso não
acontece e o fato de Neto ter sido atropelado pelo carro presidencial não tem
qualquer relevância.
Talvez tenha sido inserido para justificar a cobertura
midiática que a morte do personagem teve. Considerando, porém, a profusão de
programas policialescos na televisão (principalmente em grandes cidades como o
Rio de Janeiro) ou mesmo jornais impressos que adoram explorar a tragédia e morte
alheia, não seria difícil acreditar que o evento teria alguma cobertura
midiática ao ponto dos personagens ficarem sabendo.
O início dá a entender que o grosso da história será sobre o
reencontro desse grupo, mas muitos desses personagens rapidamente somem e não
tem qualquer repercussão na trama. O filme gasta tempo para nos apresentar a
Ezequiel, que virou pastor de igreja, mostrando inclusive uma cena com a
família dele, no entanto o personagem desaparece depois que a turma de
surfistas senta para conversar na praia, algo que acontece mais ou menos aos
vinte minutos da projeção, e nunca volta a aparecer. Durante sua breve passagem
pela trama a narrativa não tem nada a dizer sobre ele além do fato de ter
virado pastor. Tiago, melhor amigo de Nando, também não tem qualquer arco
próprio ou impacto na trama, aparecendo de vez em quando só para que Nando
tenha com quem falar sobre sua vida amorosa.
Já Marcelo até tem uma narrativa própria, que envolve o fato
dele estar apaixonado por uma funcionária de sua lanchonete, mas não sabe como
se declarar. Em uma conversa com os amigos ele diz ter receio de dizer como se
sente para ela porque uma funcionária anterior o processou por assédio sexual
quando ele tentou alguma coisa, lamentando o fato de não poder se declarar à
funcionária. O diálogo mais parece descrever um padrão de abuso do que um
sujeito apaixonado.
Os protagonistas e as mulheres
Isso fica evidente na cena em que o filme mostra a “paixão” de
Marcelo pela funcionária, que consiste de closes na bunda da mulher enquanto
ela lava a louça alternados por closes do rosto de Marcelo fazendo caras e
bocas enquanto encara o traseiro da funcionária até resolver correr para o
banheiro (provavelmente para se masturbar). Super romântico não é? Como
qualquer mulher pensaria que ter um patrão que passa o expediente encarando sua
bunda seria qualquer coisa além de amor é realmente incompreensível.
O arco de Marcelo se resolve quando Nando orienta o dono
de lanchonete a ter uma testemunha com ele quando se declarar à funcionária,
assim ela não teria como alegar assédio. Não sei vocês, mas se você precisa se
preocupar se sua declaração vai ser entendida como assédio, algo está errado.
Enfim, Marcelo chama um cliente alcoólatra (Marcos Veras fazendo sua melhor
imitação de João Canabrava), que está longe de ser a melhor testemunha para
qualquer coisa, e se declara para a funcionária, que diz também estar
apaixonada pelo patrão apesar do filme não ter dado qualquer sinal disso e o
resultado ser completamente gratuito e não merecido de um ponto de vista
narrativo. Com essa resolução Marcelo desaparece completamente do filme, sendo
que seu arco se resolve antes da metade da projeção.
Bruno, outro membro do grupo, também se envolve com
representações femininas questionáveis em suas cenas. Casado com uma mulher
mais velha e mais rica, ele e seus amigos falam do casamento como se fosse um
tormento e tratam sua esposa como uma megera controladora que observa cada
passo dele (e de fato ela o faz). Além disso, a esposa de Bruno cuida para que
todas as funcionárias que lidam com ele sejam lésbicas, o que soa
simultaneamente machista e homofóbico. A ideia parte do pressuposto que um
homem vai dar em cima de qualquer mulher ao seu redor, como se fosse um animal
descontrolado no cio, e que o personagem se acha tão irresistível que a única
negativa que ele aceita de uma mulher é que ela não goste de homem.
O machismo, aliás, é algo que perpassa o filme inteiro.
Apesar de Nando e sua turma constantemente falarem de mulheres, para eles e para
o filme elas são divididas em duas categorias. Mulheres ou são objetos sexuais
cujo principal atrativo é a aparência ou são megeras castradoras interesseiras
que são doidas para prender um homem em um casamento, como a esposa de Bruno ou
Zulma. Praticamente toda vez que um dos personagens fala bem de uma mulher é
sobre seu corpo ou sua beleza física, uma conduta que se aplica até mesmo ao
pai doente terminal de Nando. Os personagens se comportam como se fossem
completamente irresistíveis e, de fato, as mulheres sempre dão em cima deles,
mesmo quando não há uma motivação bem construída.
O modo como Nicole dá em cima de Nando é tão exagerado que
chega a ser engraçado ao invés de sedutor e essa falta de sutileza gera mais
risos do que envolvimento ou torcida pelo casal. Nicole tem um noivo, mas ele
aparece em uma única cena e depois some do filme, apenas sendo mencionado por
Zulma, que diz que ele está na viajando. Podia ser um elemento de conflito
potencial para a relação entre Nando e Nicole, mas nada é feito com ele. O fato
de Nicole estar noiva tem pouca relevância para a trama, já que mesmo que a
jovem estivesse solteira Zulma continuaria a ter motivos de sobra para se opor
à relação.
O clímax
Esse conflito entre Nicole, Nando e Zulma, bem como a piora
do pai de Nando acabam sendo os dois pontos principais de drama, mas nenhum
deles funciona. A questão do câncer do pai do protagonista era o que mais tinha
potencial, já que praticamente todo mundo já passou por uma situação similar de
ver um parente definhando para a doença, no entanto o filme não faz muito com
isso. As interações entre Nando e o pai sempre descambam para os mesmos diálogos
repetitivos em que Nando tenta animar o pai que diz não aguentar mais de dor.
Nada disso aprofunda ou desenvolve nenhum dos dois personagens nem ajuda a
entendermos melhor a dinâmica entre eles, já que essa trama fica andando em
círculos.
Já a trama de Nicole e Nando descamba em uma série de
reviravoltas folhetinescas a respeito da paternidade de Nicole. Todo esse vai e
vem pode ser resumido por Zulma, na ótica do filme, ser uma mulher amarga e mal
amada que não quer ver a filha ser feliz com o homem que a própria Zulma não
conseguiu casar. Claro, apesar de Zulma ter razão em Nando ser um babaca
machista, nada de lhe dava o direito de tentar manipular a filha como fez.
A cena final deixa evidente que Zulma é a vilã da história
ao usar a montagem para alternar com Zulma dizendo a filha que Nando não
presta, com imagens de Nando na praia com o pai satisfazendo o último desejo
dele. Ou seja, enquanto Nando sofre com a morte do pai, Zulma o está
insultando, colocando-o na condição de vítima injusta de uma mulher amargurada.
O expediente soa manipulativo e desonesto, pois por mais que
a morte do pai seja algo logicamente dolorido e dramático, Nando de fato se
comportou como um babaca machista o tempo inteiro, mas ao contrapor a fala de
Zulma com as imagens dele chorando a morte do pai, a trama quer dar a entender
que Zulma está errada em se referir a Nando daquela maneira. Deste modo, a
morte do pai, uma cena que poderia ser dotada de um investimento emocional
genuíno, perde todo o impacto pela associação inconsequente que o filme tenta
fazer.
A música
Eu também não poderia deixar de mencionar a maneira como o
filme usa a música, constantemente intrusiva e um tom acima do que os atores
fazem em cena, soando exagerada em relação às imagens. Um exemplo é a cena em
que Bruno diz a Nando que o projeto de abrirem uma loja de produtos de esporte
precisa ser abortado por conta dos riscos financeiros e o filme insere uma música
exageradamente triste, como se aquilo fosse um grande fracasso ou que o
protagonista tivesse perdido tudo. Sendo que não só ele não perdeu nenhum
tostão, como, pelo que o filme mostra, Nando tem uma carreira relativamente
consolidada como corretor de imóveis. Sim, o texto nos informa que a loja é um
sonho dele, mas nunca nos diz que ele é infeliz no atual trabalho ou qualquer
coisa assim ao ponto do fim do projeto merecer ser marcado por uma música tão
triste.
Exagerada também é a música usada nas cenas de sexo entre
Nicole e Nando. Como o flerte entre os dois foi tão automático e sem sutileza,
o romantismo ou erotismo evocado pela música soa estranho na cena, mais fazendo
tudo parecer cafona do que afetuoso ou sensual. As letras das músicas muitas
vezes também martelam de maneira extremamente óbvia certos conflitos da trama.
Quando Nando suspeita que pode ser o pai de Nicole, entra uma canção
excessivamente dramática cuja letra “Que
deus me perdoe” é repetida em loop,
literalmente berrando ao espectador o sentimento do protagonista de que talvez
tenha cometido um grande pecado (ele não cometeu, era tudo mentira de Zulma
para afastar os dois).
Cheio de personagens inúteis, tramas que não tem muito a
dizer, uma quase completa incapacidade de criar algum conflito dramático que
consiga envolver ou até mesmo fazer sentido em muitos casos, além de altas
doses de um machismo anacrônico, impressiona o desastre que é Os Tubarões de Copacabana. É tão errado,
tão equivocado e tão bizarro que chega a me lembrar de The Room (2003), do Tommy Wiseau.
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário