Lançado em 2010, o filme uruguaio
Miss Tacuarembó parece aquele musical
bem tradicional sobre uma mocinha sonhadora em busca do sonho de ser cantora.
De certa forma é isso, mas, ao mesmo tempo, o modo relativamente autoconsciente
com o qual conta essa história acaba fazendo dele algo mais que isso.
Na trama, a jovem Natalia Cristal
(Natalia Oreiro) sempre sonhou em ser uma cantora de sucesso, desde sua
infância na pequena cidade de Tacuerembó até quando se mudou para a Argentina.
Ela acredita ter conseguido sua chance quando é chamada para participar do reality show “Tudo por um Sonho”, mas na
verdade isso é um pretexto da produção para promover um encontro entre ela e
sua mãe adotiva, Haydeé (Mirela Pascual), a quem Natalia não vê há anos.
A história é contada sob o
enquadramento do reality show, com
Natalia e Haydeé contando a história delas para a excêntrica apresentadora do
programa, Patricia (Rossy de Palma). As idas ao passado curiosamente tem a
fotografia carregada em tons de sépia, conferindo as imagens um aspecto de foto
antiga, desgastada, denotando que estamos diante de uma memória.
Ao contar a vida da protagonista,
a trama vai e volta em diferentes períodos da vida dela para mostrar os eventos
formadores de sua personalidade. Esses flashbacks
mostram a juventude da protagonista em um orfanato, a educação católica
conservadora que teve e o contraste disso com sua paixão pela música pop
estadunidense oitentista, por ritmos musicais latino-americanos e também por
telenovelas. Essa mistura de elementos culturais poderia gerar algo em tom
conflitante ou uma colcha de retalhos demasiadamente fragmentada ao ponto de
não fazer sentido, mas o texto consegue amarrar tudo isso de maneira coesa.
Parte da coesão vem de um olhar
que não leva nenhuma dessas matrizes muito a sério, como se o filme quisesse
efetivamente brincar com essas formas de linguagem misturando e fazendo graça
com todas elas. A busca da protagonista por identidade é, de certa forma, uma
busca empreendida pelo próprio filme. Ele entende seu lugar discursivo como um
produto influenciado tanto pela cultura estrangeira, estadunidense e europeia,
fruto da colonização e dominação da América Latina, mas simultaneamente como
algo indelevelmente marcado por suas raízes e por elementos da cultura local.
Assim, o filme tenta justamente
encontrar sua identidade a partir desse reconhecimento de múltiplas influências
e do campo da cultura popular como um espaço de constantes disputas e tensões
por dominação e supremacia. O deboche e o humor usado para referenciar o cinema
e a música estadunidenses da década de 80, em especial pelo uso da canção What a Feeling do filme Flashdance (1983), é uma forma de tentar
se reapropriar e ressignificar de uma maneira pessoal uma influência externa
que o filme sabe que não pode negar.
Nesse sentido, não é a toa que
nunca ouvimos What a Feeling na
versão original de Irene Cara, mas sempre a partir da voz de Natalia e de
arranjos diferentes para a melodia. Os números musicais funcionam justamente
como esse momento de síntese entre o popular e o tradicional, entre o
estrangeiro e o local. Essa mistura se verifica na seleção de canções, que
alterna entre obras conhecidas e canções originais, compostas especificamente
para o filme. Também é percebida pelos modos de filmar esses números, variando
entre uma linguagem onírica, de videoclipe ou publicidade (na canção do parque
de diversões), mesclando várias influências e linguagens.
Nesse sentido, Miss Tacuarembó serve como uma
ilustração para o processo de construção da identidade cultural
latino-americana, reconhecendo a disputa de influências entre o local e o
estrangeiro.
Trailer
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