segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Crítica – Queen & Slim

 

Análise Crítica – Queen & Slim

Review – Queen & Slim
Histórias sobre casais em fuga das autoridades não são exatamente novidade em Hollywood, Fritz Lang já contara uma história como essa em Vive-se Só Uma Vez (1937). A história real do “amor bandido” de Bonnie Parker e Clyde Darrow foi imortalizada em Bonnie & Clyde: Uma Rajada de Balas (1967). Na década de noventa essa trama ganhou um viés feminista em Thelma & Louise (1991). Agora a diretora Melina Matsoukas e a roteirista Lena Waithe (a Denise de Master of None) usam essa história para falar de preconceito e racismo neste Queen & Slim.

A narrativa acompanha o casal Queen (Jodie Turner-Smith) e Slim (Daniel Kaluuya), que estão no primeiro encontro juntos. Quando voltam para casa são parados por um policial e a escalada da agressividade do evento coloca os dois em fuga. Agora esse casal que mal se conhece precisa se unir para se manterem vivo e fugirem da polícia.

A jornada do casal mostra o temor constante da comunidade negra em ser alvo da brutalidade policial, sendo constantemente tratados pelas autoridades de maneira agressiva, como se fossem criminosos, mesmo quando não fizeram nada. Claro, o casal inevitavelmente comete um crime, mas é resultado de uma tentativa de autodefesa e não de agressividade ou mau caratismo.

Há um senso palpável de tensão na jornada de fuga dos protagonistas, como se a qualquer momento tudo pudesse dar errado para eles. Ainda assim o texto consegue oferecer momentos de beleza e lirismo como a cena em que Queen para o carro na beira da estrada para Slim monte em um cavalo. É como se a narrativa quisesse nos dizer que a experiência negra nos Estados Unidos é marcada por essa oposição entre o medo constante da violência e a busca por afeto e felicidade.

O segmento que melhor demonstra isso é quando a montagem alterna entre os protagonistas fazendo sexo no carro enquanto um protesto denunciando a injustiça contra eles é rechaçado pela polícia e descamba em violência. A alternância da montagem sintetiza os dois extremos da vivência dos personagens. Esses momentos ajudam a dar humanidade e complexidade aos personagens, evitando reduzi-los a meras vítimas de brutalidade policial.

Kaluuya e Turner-Smith tem uma ótima química juntos, começando como parceiros relutantes, unidos pela necessidade de sobreviver, mas que aos poucos criam um laço poderoso um com o outro conforme compartilham suas vulnerabilidades. Jodie Turner-Smith constrói uma personagem endurecida por experiências traumáticas do passado, que entende como a intolerância e a violência destroem facilmente as vidas de pessoas como ela, já Kaluuya faz um personagem que tem alguma esperança e fé de que tudo vai dar certo, cujo otimismo vai se desvelando conforme as dificuldades começam a se impor ao casal.

É também uma história sobre comunidade e legado. Os protagonistas continuamente recebem ajuda nas comunidades periféricas por onde passam, mesmo quando as pessoas não concordam ou condenam as ações dos dois, ainda assim os ajudam, como que demonstrando que partilham do temor dos dois ou entendem que poderiam essas na mesma situação que eles. Também fala sobre a importância de construir um legado e como esse legado só tem importância quando é levado adiante por outros cujas vidas foram tocadas por eles.

Apesar de buscarem ser o legado um do outro, o destino trágico que é imposto aos personagens demonstra que o legado deles fica naqueles cujas vidas foram tocadas por eles. Um legado de injustiça e de vidas interrompidas pelo ódio e violência que não pode ser esquecido, como tantas outras histórias do mundo real que também merecem ser lembradas pelo injusto sofrimento ao qual foram submetidas e que necessitam de alguma medida de justiça e reparação.

Marcado por ótimas interpretações de seu casal de protagonistas e um exame melancólico sobre a vivência da brutalidade policial, Queen & Slim é um ótimo longa de estreia para Melina Matsoukas.

 

Nota: 8/10


Trailer

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