quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Crítica – A Ilha da Fantasia

 

Análise Crítica – A Ilha da Fantasia

Review – A Ilha da Fantasia
A série A Ilha da Fantasia sempre foi uma espécie de versão tropical de Além da Imaginação, mas agora, nas mãos da produtora Blumhouse, essa nova versão tenta entrar mais no reino do horror. Digo tenta porque o filme nunca consegue estabelecer com clareza o que quer para si, transitando abruptamente entre drama, comédia e horror sem um tom claro e incapaz de conseguir dar conta dos múltiplos arcos de personagem.

Na trama, um grupo de pessoas ganha um final de semana de estadia na chamada Ilha da Fantasia. Uma locação paradisíaca administrada pelo misterioso Sr. Roarke (Michael Peña). Roarke diz que a ilha tem propriedades mágicas, que pode tornar qualquer fantasia realidade. Assim, o grupo de personagens começa a viver suas fantasias, mas elas não se desenvolvem como esperado.

De cara chama atenção a natureza unidimensional dos personagens. Gwen (Maggie Q) tem um trauma do passado, Patrick (Austin Stowell) quer se tornar militar para honrar o pai morto em serviço, Melanie (Lucy Hale) quer se vingar da patricinha que praticou bullying contra ela no colégio e os irmãos Brax (Jimmy O. Yang) e J.D (Ryan Hansen) querem festas e curtição.

É incrível que uma trama cuja premissa é a falta de limites da imaginação consiga ser tão pouco imaginativa. O que deveria ser uma viagem pelos desejos e medos mais íntimos desses personagens, um mergulho em suas subjetividades que poderia ser retratado com uma estética onírica, surreal ou delirante, é construída de maneiras bem genéricas. A fantasia de Patrick é basicamente uma versão de baixo orçamento de Platoon (1986), a de Melanie é um terror de tortura que parece um plágio ruim da franquia Jogos Mortais. Já a dos dois irmãos é uma série de festas, drogas e pessoas atraentes que nunca consegue evocar a devassidão e esbórnia de, por exemplo, as festas exageradas de O Lobo de Wall Street (2013).

Michael Peña se esforça para fazer algo parecido com o Roarke interpretado por Ricardo Montalban na série original, mas carece da aura de mistério e gravidade do ator. Em parte por causa do roteiro que insiste em explicar o passado e motivações de Roarke, o que remove muito da aura enigmática do personagem. Parte do problema é que Peña nunca vai além do mimetismo a Montalban, falhando em tornar o personagem propriamente seu.

As explicações sobre Roarke e o funcionamento da ilha acabam funcionando em uma espécie de paradoxo. Por um lado são respostas desinteressantes, que sacrificam todo o clima de mistério e suspense por explicações que falham em nos envolver naquele universo. Por outro, a explicação das regras é tão frouxa, tão vaga e tão mal elaborada que soam menos como algo planejado e mais como se os roteiristas fossem inventando tudo à medida que escreviam.

Tem algumas ideias interessantes jogadas no meio de toda bagunça conceitual que o filme tenta construir. A noção, por exemplo, de que a fantasia de um pode ser o pesadelo de outro poderia ser interessante se bem construída, já que fica sugerido que o vilão da fantasia dos dois irmãos seria também um hóspede vivendo a própria fantasia, mas à parte do diálogo em que isso fica subentendido, a ideia nunca é desenvolvida e o texto tem pouco a dizer sobre isso.

Na verdade, o filme tem muito pouco a dizer sobre praticamente tudo. Como rapidamente sai do regime do drama para o da comédia e para o terror, sem construir uma identidade coesa, que consiga unir suas abordagens, não dá conta do drama dos arcos de Patrick ou Gwen, não consegue ser propriamente engraçado no arco dos irmãos e assim por diante. Muito do terror fica restrito a sustos súbitos sem graça, com coisas aparecendo inesperadamente na tela seguidas de acordes impactantes da música, um expediente bem preguiçoso para tentar amedrontar a plateia.

Para piorar, o clímax do filme insiste tanto em inserir reviravoltas surpreendentes que perde de vista as próprias regras que tinha estabelecido para o funcionamento da ilha, com revelações que entram em contradição com o que fora dito sobre os personagens ou sobre as fantasias da ilha. A revelação final, sobre o motivo real de estarem ali, por exemplo não faz muito sentido. Primeiro porque mina o desenvolvimento de Melanie, deixando de ser alguém marcada por abuso e bullying para ser uma psicopata genérica completamente desequilibrada (o que acaba dando razão à patricinha que a zoava no colégio). Em segundo lugar porque isso implica que a personagem praticamente teve duas fantasias, o que em tese seria contra as regras.

Existem várias outras coisas mal explicadas, como as possibilidades dos personagens entrarem e interferirem um na fantasia do outro ou o fato de indivíduos que não estão ali como convidados e não terem bebido a água da fonte (portanto não estão realizando fantasias) ainda assim verem imagens e interagirem com construtos da ilha. Nada disso incomodaria se o filme não se desse ao trabalho de tentar criar uma mitologia em torno desse universo explicando o funcionamento das coisas.

Poderia ter mantido tudo no domínio da fantasia, mas ao escolher estabelecer um conjunto de regras e explicações para o funcionamento desses elementos sobrenaturais, o mínimo que se espera é que elas operem de modo coeso. Ao ignorar as próprias regras ou não desenvolvê-las com clareza, o filme cria a impressão de que “vale qualquer coisa” e isso mina a sensação de suspense porque não temos como formular expectativas claras do que pode acontecer, afinal a qualquer momento pode vir uma nova informação que irá contradizer ou ser pouco convincente em relação ao que foi previamente estabelecido.

Desprovido de imaginação, mistério, fascínio ou encantamento, A Ilha da Fantasia nunca faz jus ao seu ideal de imaginação sem limites, entregando um texto bagunçado, rasteiro e repleto de indivíduos desinteressantes.

 

Nota: 2/10

Trailer

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