segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Crítica – O Diabo de Cada Dia

 

Análise Crítica – O Diabo de Cada Dia

Review – O Diabo de Cada Dia
Fiquei curioso para conferir este O Diabo de Cada Dia, produção original da Netflix, por trazer o ator Tom Holland em um tipo de personagem que é bem diferente de tudo que ele fez em sua carreira até aqui. Podia ser um ponto de virada para o ator, mas embora o filme o ajude a mostrar seu alcance como intérprete, nem todos os seus elementos funcionam como deveriam.

A trama adapta um romance (que não li) de Donald Ray Pollock, acompanhando múltiplos personagens ao longo de quase duas décadas em pequenas cidades no interior dos Estados Unidos e as histórias de violência experimentadas por cada um deles. Eventualmente acaba focando em Arvin (Tom Holland), um jovem órfão com propensão a um comportamento violento e como isso inevitavelmente será a sua perdição.

A narrativa é contada com muitas idas e vindas no tempo, inclusive com um narrador (o próprio Pollock) adiantando os destinos de certos personagens, contando como eles morrem já nos primeiros instantes que os vemos. Essa escolha não necessariamente contribui para o andamento da trama, já que faz tudo soar excessivamente fragmentado e bagunçado. O filme poderia contar tudo em ordem cronológica que não faria a menor diferença.

O principal problema, no entanto, é que ao mostrar essa ampla coleção de personagens brutos, sórdidos e violentos, o texto não faz qualquer esforço de tentar entender o que move essas pessoas, o que as faz ser assim. Desta maneira, tudo soa como uma exploração vazia da crueldade ocasionalmente inserindo alguns apontamentos sobre as hipocrisias dessa sociedade que se diz cristã e de bem, mas que se comporta de maneira sórdida.

Em um dado momento o pastor Roy (Harry Melling) mata a própria esposa porque crê que seria capaz de ressuscitá-la. A trama, no entanto, nunca constrói as bases dessa fé fervorosa de Roy (apenas mostra seu radicalismo enquanto pregador) que o faria crer tanto em sua capacidade de fazer milagres que estaria disposto a cometer uma atrocidade. Sem essa busca de entendimento, é apenas um ato de violência jogado na tela. O mesmo pode ser dito do serial killer fotógrafo interpretado por Jason Clarke, que nunca há um esforço de entender o fascínio dele por fotos de cadáveres ou de onde vem o sadismo que ele exibe com as vítimas.

Claro, o texto poderia ir na direção contrária e ao invés de tentar entender o que está por trás desses comportamentos poderia usar tudo isso como um comentário para a banalização e espetacularização da violência em nossa sociedade como fazem Assassinos por Natureza (1994) ou Violência Gratuita (1997), mas isso não acontece. A única exceção acaba sendo Arvin, já que ao mostrar a complicada relação do garoto com o pai bruto e fanaticamente devoto, o texto nos faz entender porque o jovem parece não conhecer nenhuma outra linguagem além da violência. O personagem, porém, é apenas uma pequena peça em um quebra-cabeça bem maior no qual as coisas nem sempre se encaixam para formar um todo coeso ou interessante.

É uma pena, pois Holland é eficiente ao construir esse personagem que não é exatamente um mau sujeito, mas que foi tão endurecido pelo tratamento dado pelo pai e pelas tragédias da sua vida que parece não saber responder ao mundo de outra forma que não com brutalidade, o que coloca Arvin em um caminho sem volta. Além de Holland há de se destacar também o trabalho de Robert Pattinson como um pastor hipócrita que abusa da irmã de criação de Arvin e depois acusa a garota de ser mentirosa. Pattinson é ótimo em construir o senso exagerado de superioridade moral do pregador e suas ilações hiperbólicas para a congregação.

Na verdade, o elenco todo é composto por nomes competentes, a questão é que a maioria desses personagens mal tem tempo para dizer a que veio, sendo apresentados e eliminados sem que se tenha algo consistente sobre eles, dando ao filme um caráter episódico, fragmentado e raso. Talvez o romance de Pollock consiga trabalhar melhor essas múltiplas histórias e nesse caso teria sido melhor que essa adaptação fosse uma minissérie. Do jeito que está O Diabo de Cada Dia conta com boas interpretações, mas o todo acaba sendo menor que a soma das partes, resultando em um filme inchado, fragmentado e que explora de maneira superficial o universo sórdido que cria.

 

Nota: 5/10

 

Trailer

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