sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Crítica – O Dilema das Redes

Análise Crítica – O Dilema das Redes

Review – O Dilema das Redes
Quando escrevi sobre Privacidade Hackeada (2019) mencionei que o documentário perdia de vista qual era a questão principal da desinformação que circulava nas redes. O documentário de 2019 focava no fato de que as redes digitais eram usadas pela extrema direita para disseminar desinformação, no entanto o mais preocupante não é a postura política de quem faz esse tipo de coisa e sim o quanto isso é fácil de fazer por qualquer um com dinheiro o bastante para direcionar publicações em rede, podendo moldar o comportamento das pessoas em qualquer direção (política, psicológica, de consumo) com os dados fornecidos por essas grandes empresas de internet. Este O Dilema das Redes compreende um pouco melhor o problema no cerne da discussão sobre privacidade digital e uso de dados de usuários.

O documentário é centrado em Tristan Harris, ex-funcionário do Google que em meados dos anos 2000 fez um manifesto sobre a necessidade dessas tecnologias de redes digitais serem mais humanizadas, menos predatórias e menos focadas em estimular que o usuário compre coisas ou passe o maior tempo possível diante da tela. Seu manifesto não causou nenhuma mudança na empresa, mas fez ele e outros desenvolvedores do Vale do Silício se unirem em repensar essas tecnologias. Assim, o documentário entrevista Tristan e outros ex-funcionários de empresas de tecnologia para entender como funcionam essas plataformas e os problemas inerentes a elas.

Os desenvolvedores expõem como as redes são pensadas para constantemente produzir reforços positivos no usuário, que é estimulado a voltar e se manter conectado o maior tempo possível. A explanação demonstra como tudo isso pode tornar as pessoas viciadas e dependentes de likes e visualizações, promovendo uma série de transtornos psicológicos incluindo em jovens. Há, no entanto, o cuidado em não reduzir essas críticas a uma disputa maniqueísta, reconhecendo que muitos desses atributos não foram criados com esses malefícios em mente.

Além disso, trata também da questão da desinformação. Em como cada plataforma exibe informações diferentes para os usuários dependendo de seu perfil, gerando “bolhas” digitais nas quais as pessoas só tem contato com quem pensa igual. Isso dificultaria as possibilidades de diálogo porque ninguém mais parte de um terreno “comum” de diálogo, mas cada um partiria de uma visão de mundo própria, promovendo uma maior polarização e visão mais simplista de mundo.

Desta maneira, até a questão de como as redes sociais interferem em nosso comportamento social e de consumo não é tratada meramente como uma manipulação unidimensional, como se fôssemos idiotas desprovidos de capacidade crítica. A interferência das redes acontece justamente porque os algoritmos que as governam usam nossa própria psicologia, nossos interesses, paixões, afetos, medos, anseios e fragilidades contra nós para nos manter conectados. Nosso comportamento é direcionado porque temos uma impressão de que controlamos o conteúdo que acessamos quando, na verdade, esse conteúdo é controlado por programas de computador que nos conhecem melhor do que conhecemos a nós mesmos.

O elo fraco do filme são as cenas ficcionais com atores. Feitas para ilustrar ou explicar alguns conceitos explicados pelos entrevistados, essas cenas são irregulares no quanto agregam ao discurso. Algumas delas são minimamente eficientes, como a que mostra uma garota ficando insegura com a aparência por conta de comentários nas redes. Outras, no entanto, soam excessivamente didáticas e expositivas, mais parecendo esquetes de uma videoaula do que uma narrativa orgânica e crível, soando redundantes com as explanações dadas nas entrevistas.

O documentário também é permeado por uma certa ingenuidade ao tratar esses ex-desenvolvedores como nossa esperança em resolver a questão. Afinal eles estão se apresentando como salvadores para um problema que eles mesmos criaram e pedir que depositemos nessas pessoas a confiança para resolver essas questões é, de certa forma, pedir para que mantenhamos a estrutura de poder da internet exatamente como está.

Ainda assim, O Dilema das Redes tem substância o bastante para nos fazer pensar sobre nossa relação com as plataformas digitais, fornecendo argumentos de que deixar o fluxo de conteúdo da sociedade ser mediado por algoritmos talvez não seja uma boa ideia.

 

Nota: 7/10


Trailer

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