terça-feira, 6 de outubro de 2020

Rapsódias Revisitadas – Línguas Desatadas

 

Análise Crítica – Línguas Desatadas

Review – Línguas Desatadas
Lançando em 1989 e dirigido por Marlon Riggs, Línguas Desatadas é um documentário menos interessado em informar ou convencer o público de um ponto de vista específico e mais em partilhar a experiência sensível de mundo de um grupo social específico. Especificamente o documentário fala sobre as experiências de homens negros gays de comunidades periféricas dos Estados Unidos.

O documentário mistura vários recursos, desde entrevistas e imagens de arquivo passando por poesias recitadas e imagens de arquivo. A montagem costura tudo de modo a produzir uma bricolagem que mistura todos esses recursos expressivos. Poderia resultar em algo caótico, mas a montagem consegue fazer esses diferentes materiais dialogarem para deixar o espectador imerso na subjetividade dos sujeitos filmados.

Quando um dos entrevistados narra suas primeiras experiências de juventude com homofobia e racismo a montagem alterna entre o depoimento e imagens em close de bocas proferindo ofensas preconceituosas, abruptamente interrompendo o fluxo da fala do entrevistado. A escolha estética provavelmente foi feita no sentido de fazer o público experimentar a sensação de receber uma torrente constante de ódio sem conseguir se fazer ouvir, com o esforço de um sujeito em se auto afirmar interrompido incessantemente pela intolerância alheia.

O documentário também reconhece a natureza interseccional da identidade dos sujeitos filmados, nunca reduzindo-os a apenas negros ou apenas gays, mas entendendo que as experiências desses indivíduos no mundo é o resultado da soma das interseções dessas múltiplas facetas identitárias contidas em cada sujeito. Com isso, o retrato da comunidade aqui retratada, apesar de ter um escopo e um recorte bem específico, reconhece a complexidade dos múltiplos fatores que estão presentes na experiência de mundo dessas pessoas.

As vivências apresentadas ao longo do documentário refletem as diferentes esferas nas quais essas pessoas transitam, mencionando, por exemplo, os conflitos internos que a experiência com religião (especificamente o cristianismo protestante) causou em muitos deles, nos fazendo entender como as estruturas discursivas da sociedade operam para estabelecer padrões de “normalidade” e excluir aqueles que não se conformam a essas normas. Tudo sempre exposto por essa bricolagem de depoimentos, poesias e cenas encenadas.

Além de retratar as experiências com o preconceito, o documentário também retrata o senso de comunidade que une aquelas pessoas, como elas conseguem se reunir para se ajudarem de modo a criarem um espaço seguro para si mesmos e os demais integrantes do grupo. Quase como um exercício de autoetnografia, o filme acompanha e tenta nos fazer entender as práticas, hábitos e linguagem própria desse grupo, como o uso de estalos de dedos como forma de expressão ou as disputas de dança empreendidas entre eles.

Apesar de relativamente curto, com apenas 55 minutos, Línguas Desatadas traz um mergulho intenso nas vivências da comunidade negra gay dos EUA, nos aproximando da experiência subjetiva desses sujeitos com o mundo.


Trailer

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