terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Crítica – Mulan

Análise Crítica – Mulan

Review – Mulan
De toda a onda de remakes live action que a Disney vem empreendido de suas clássicas animações, Mulan era o que eu estava mais empolgado. Não porque tenho particular afeto pelo filme original de 1999, mas porque era o único que parecia efetivamente fazer um esforço de reimaginar o original. Enquanto Aladdin (2019), O Rei Leão (2019) e A Bela e a Fera (2017) eram recriações preguiçosamente fidedignas do original com muito pouco que justificasse um remake além da vontade da Disney fazer dinheiro, Mulan parecia se justificar por tentar ser algo diferente. Ao invés do musical da animação, esta nova versão estaria mais próxima de um wuxia, gênero chinês que mistura artes marciais e fantasia (pensem em O Tigre e o Dragão ou Herói).

Na trama, Mulan (Yifei Liu) é uma garota que se recusa a se resignar ao papel que a sociedade chinesa obriga as mulheres a se colocarem. Quando invasores estrangeiros liderados por Bori Khan (Jason Scott Lee) colocam a China em risco, o imperador obriga que cada família ceda um homem para o exército. Querendo evitar que seu idoso pai, Zhou (Tzi Ma), sirva no exército, Mulan rouba as armas e armaduras da família e vai se alistar fingindo ser homem, temendo que caso o segredo seja revelado sua família seja desonrada e ela seja executada.

O filme acerta no senso de escala e de aventura, trazendo as batalhas grandiosas e acrobáticas que se espera do gênero embora sem o lirismo e a fluidez de trabalhos de diretores com Zhang Yimou, por exemplo. A ação e o humor são o ponto alto do filme, em especial como as lutas ressaltam o quanto a bruxa Xianniang (Gong Li), que serve Bori Khan, é letal.

Por outro lado, o texto derrapa na construção do arco de Mulan e no modo como ela lida com as estruturas patriarcais de sua sociedade. Há méritos no modo como a jornada da personagem põe em questão a ideia de que o mundo não precisa ser dividido no binarismo de “coisas de homem” e “coisas de mulher”, no entanto, as escolhas do texto em como a personagem rompe com isso (ou não rompe, na verdade) são problemáticas.

Sim, Mulan é, ao final, aceita como igual pelo exército e pelos demais, a questão é que essa jornada de aceitação se dá sempre por parâmetros masculinos. A personagem precisa o tempo todo de permissão e aceitação de figuras masculinas para se sentir validada e ao colocá-la dependente desse poder masculino o tempo todo o filme apenas reforça as estruturas de poder vigentes. Chega a ser estranho que o texto encare a proposta que Xianniang faz a Mulan para que as duas se unam para lutar contra os regimes que as oprimem, afinal, naquele momento do filme, essa soa como uma escolha razoavelmente sensata.

Ao rejeitar a ideia de uma revolução ou de uma necessidade de colocar abaixo as estruturas machistas de poder que governam aquelas sociedades, a mensagem de independência feminina defendida no texto se perde completamente. Afinal, se Mulan depende o tempo todo da validação e permissão masculinas para fazer o que quer, então ela não se emancipou de fato. Sim, de certa forma esses elementos estavam presentes na animação original, mas isso foi há vinte anos e era de se imaginar que hoje essas questões fossem melhor resolvidas no remake, mas toda a ideia de Mulan como uma espécie de figura protofeminista é prejudicada pelo modo como o roteiro constrói o arco da personagem.

Apesar da qualidade das cenas de ação e de trazer ideias importantes sobre emancipação feminina, Mulan derrapa em uma execução que não alcança a mensagem que o filme demonstra almejar.

 

Nota: 5/10


Trailer

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