Confesso que os primeiros trailers de Tenet não me atraíram em nada. Tudo parecia uma reciclagem de coisas que o diretor Christopher Nolan tinha feito antes em seus outros filmes. A impressão era de se tratava de um A Origem (2010) que trocava a manipulação de realidades e sonhos por manipulação temporal. Ainda assim fui assistir aberto ao que filme me traria e devo dizer que o resultado final é relativamente decepcionante.
Na trama, um agente (John David Washington) é recrutado por uma força-tarefa secreta para combater a mais nova ameaça ao mundo: a manipulação temporal. O protagonista descobre que forças do futuro estão enviando para o presente itens com “entropia invertida” que se movem temporalmente ao contrário. Para descobrir quem está por trás disso, o protagonista recorre a ajuda do misterioso Neil (Robert Pattinson) para localizar o elusivo traficante de armas russo Sator (Kenneth Branagh) que parece ser o responsável por trazer ou receber esses objetos do futuro.
É um conceito complexo, tal como outros filmes do diretor, mas se antes havia um mínimo de clareza em estabelecer esses elementos complicados de maneira que fosse possível entender o que está em jogo, isso não acontece aqui. Nos primeiros minutos o protagonista ouve a explicação de uma cientista de que esses objetos invertidos seriam extremamente perigosos, o motivo disso, no entanto, não fica claro e o texto demora em evidenciar as razões disso. Se em outros filmes Nolan conseguia apresentar seu universo ficcional no primeiro ato, aqui o filme é inteiro permeado por longos diálogos expositivos que tentam explicar o tempo todo as regras de funcionamento desse universo.
Mesmo quando já passamos da marca de duas horas de projeção e o filme está em seu clímax ainda assim a trama breca para inserir explicações sobre o que está acontecendo em relação à crise temporal que os personagens tentam evitar. Não importa o quão complexa é a mitologia da narrativa, se mesmo durante os momentos climáticos é necessário parar para dar explicações, então isso é um problema de escrita de roteiro. Isso não acontece por conta da complexidade da premissa, mas pelo fato do texto não conseguir expor de maneira direta, clara e coesa já de cara o que é esse universo e o que está em jogo nele. Ao invés de complexo, o universo construído aqui soa como uma bagunça cujas regras o texto inventa conforme a trama progride.
Esse excesso de exposição também se verifica na construção dos personagens, em especial Kat (Elizabeth Debicki), a esposa de Sator, presa a um relacionamento abusivo com o criminoso. O texto fala o tempo todo do quanto esse é um casamento sem amor e ela é refém dele, mas faz pouco para nos fazer sentir de maneira crível a motivação do protagonista se conectar tanto a Kat ao ponto de arriscar a missão. Isso acontece simplesmente porque o texto exige que aconteça para mover o conflito adiante e aí fica difícil se importar com os problemas de Kat ou com a urgência que o protagonista sente em ajudá-la.
O mais problemático é que toda essa complexidade de tempos e estruturas de palíndromos (presente já no título) parece não estar a serviço de muita coisa. Em filmes como A Origem a questão dos níveis de sonhos e consciência era usada para falar sobre o papel da subjetividade na realidade ao nosso redor. Em Amnésia (2000) a cronologia invertida servia para falar sobre o papel da memória na construção de nosso senso de identidade e em O Grande Truque (2006) os ardis dos personagens serviam para falar da natureza ilusória do próprio cinema e como suspendemos nossa descrença para nos deixar encantar por algo que sabemos ser inventado. Dunkirk (2017), mesmo com muito pouco desenvolvimento dos personagens, tínhamos o senso de urgência da situação de guerra e desvantagem que os personagens vivenciavam para nos conectarmos com eles Alguns dos temas caros ao diretor estão presentes aqui, mas soterrados em meio a explicações tediosas e reflexões frígidas rasteiras sobre tempo e espaço.
É possível enxergar alguns vislumbres de como a mecânica do tempo apresentada aqui poderia ser usada para refletir sobre a própria condição humana, uma existência sempre presente, mas marcada pelo passado e potencializada pelo futuro. Sobre como somos simultaneamente devir e permanência. Do mesmo modo, assim como em outros filmes do diretor, há algo de metalinguístico aqui, com a questão do deslocamento temporal ser usado para mostrar como o protagonista está em busca de sua própria história e tenta entender seu papel nisso tudo.
É como se Nolan tentasse nos lembrar que assistir a uma narrativa audiovisual é, de certa forma, tentar fazer o percurso inverso ao da obra (ir da peça pronta para a intencionalidade construída por trás dela) para entender o que o autor quer de nós enquanto audiência e comunidade interpretativa. Chegar a esses entendimentos ao longo do filme deveria produzir algum grau de catarse ou prazer, mas é tudo tão truncado, raso e frígido que ao final estava apenas cansado e entediado ao invés de arrebatado pela catarse.
Toda essa questão de um duplo fluxo temporal acaba sendo reduzida a espetáculo através das cenas de ação. Nada contra um filme ser apenas espetáculo, não vejo nenhum problema nisso, mas parece que essa não era a intenção de Nolan e que o diretor realmente almejava que o filme que tivesse algo importante a dizer. O material parece ter várias pretensões e a maioria delas cai por terra por conta das inaptidões do texto, sobrando apenas a dimensão do espetáculo de ação. E sim, a ação é o único aspecto que plenamente aproveita o potencial criativo da premissa, criando perseguições e lutas que impressionam pelo modo como é conduzido o choque entre as duas temporalidades.
Partindo de ideias que poderiam render algo bacana, Tenet desperdiça o seu potencial em um
texto truncado e excessivamente expositivo que desaba sob o peso das próprias
pretensões, não tendo muito a mostrar além de algumas boas cenas de ação.
Nota: 5/10
Trailer
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