A trama acompanha um dia na vida da cantora Ma Rainey (Viola Davis) enquanto ela tenta iniciar a gravação de um disco. Ao mesmo tempo, a banda de Ma, presa na claustrofóbica sala de ensaio do estúdio, começa a discutir entre si e os ânimos começam a se exaltar quanto Levee (Chadwick Boseman), um dos músicos da banda, começa a querer mais destaque.
A trama demora a tocar nos seus temas principais, inicialmente acompanhando o cotidiano dos personagens e as conversas sobre banalidades. O elenco convence da naturalidade dessas interações, mas em seu terço inicial fica a impressão de que testemunhamos verborragia apenas pela verborragia. As coisas começam a melhorar a partir do momento em que começamos a entender melhor aqueles personagens e como eles têm experiências similares de racismo e exclusão.
Viola Davis é excelente em convocar a natureza impetuosa de Ma Rainey e aparece quase que irreconhecível graças à maquiagem, próteses dentais e ao ganho de peso ao qual a atriz se submeteu. A personalidade irascível de Ma não é aqui tratada como um mero capricho ou apenas fruto de vaidade, mas um (e talvez o único) meio de Ma exercer controle sobre a própria carreira e tentar fazer valer sua voz diante dos executivos brancos da gravadora que claramente a veem apenas como um meio de ganhar dinheiro. Seus caprichos e “personalidade difícil” seriam, portanto, uma espécie de mecanismo de resistência.
Chadwick Boseman (em seu último trabalho antes de sue trágico falecimento) traz intensidade a Levee, um homem que deseja sucesso e reconhecimento artístico por crer que se tiver talento o bastante conseguirá escapar do estigma do racismo. Ao longo do filme entendemos como as vivências do personagem o levaram nessa direção e como ele entende muito bem que os brancos veem pessoas como ele como se fossem menos humanas. Ainda assim ele acredita que poderá ser valorizado e reconhecido pelo seu talento, mesmo pelos brancos e ao longo do filme ele chegará à dolorosa realização de que pessoas como ele ainda são tratadas como mercadorias. Isso fica evidente na cena final na qual músicos brancos estão em estúdio gravando um blues deixando claro os processos de embranquecimento e apropriação da cultura negra.
O filme tem uma clara reverência ao texto de August Wilson,
algo compreensível pela qualidade dos diálogos do dramaturgo. Por outro lado, esse
ímpeto de manter o texto e encenação intocados acaba fazendo tudo soar um pouco
estático e expositivo demais. Quando Levee ou outros personagens falam sobre
experiências traumáticas do passado porque, por exemplo, não alternar a fala
desses sujeitos (para valorizar a interpretação dos atores) com imagens desses
acontecimentos de fato sendo encenados diante de nós, para trazer a intensidade
me maneira vívida desses momentos marcantes na vida dos personagens.
Ainda que sua estrutura de encadeamento de longos monólogos
acabe ficando um pouco repetitiva, A Voz
Suprema do Blues traz ponderações importantes sobre as consequências do
racismo e apropriação cultural, se sustentando em performances intensas de
Chadwick Boseman e Viola Davis.
Nota: 7/10
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