segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Crítica – As Five

 Análise Crítica – As Five


Review – As Five
Lançada em 2017, Malhação: Viva a Diferença trouxe nova vida à novela adolescente da Globo que está há mais de vinte anos no ar. Com um olhar sincero e cuidadoso sobre adolescência, ela trabalhava sem tabus a respeito de sexualidade, gravidez na adolescência, preconceitos e aceitação da diversidade, além de um quinteto de personagens principais que se tornou adorado pelo público. Com o final de Viva a Diferença parecia o fim da história das cinco protagonistas, mas felizmente a Globoplay resolveu trazê-las de volta na série As Five.

A narrativa se passa seis anos depois de Viva a Diferença com as personagens se reencontrando depois de anos distantes umas das outras para o funeral da mãe de Tina (Ana Hikari). O reencontro ajuda as personagens a se aproximarem e nos apresenta aos novos conflitos vivenciados por elas. Benê (Daphne Bozaski) vê seu relacionamento com Guto (Bruno Gadiol) depois dele admitir que é gay, Keyla (Gabriela Medvedovski) lida com as dificuldades se ser uma jovem mãe solteira e perde o emprego, Ellen (Heslaine Vieira) está terminando um mestrado no exterior e está recebendo muita pressão da orientadora, já Lica (Manoela Aliperti) está sem rumo na vida, vivendo de mesada da mãe, que ameaça deixá-la sem dinheiro caso não comece a estudar ou trabalhar.

Assim como em MVAD, a série acerta na construção desse retrato da juventude, agora jovens adultas, uma idade em que ainda há uma certa imaturidade mesmo com as responsabilidades da vida adulta batendo na porta. O texto evita romantizar demais as situações das personagens ou também criar conflitos muito mirabolantes para os personagens. O que encontramos aqui são questões que qualquer jovem nessa idade estaria enfrentando, como a dificuldade em lidar com a perda de um ente querido no caso de Tina, a sensação de não saber o que quer da vida de Lica, as pressões da vida acadêmica de Ellen ou os questionamentos de sexualidade de Benê.

A trama de Benê, por sinal, parece ser a mais distante das demais ao lidar com o universo do sexo digital e do vício em pornografia do novo interesse amoroso dela, mas, na verdade, é um problema mais comum na geração atual do que imaginamos. Uma geração com fácil acesso a internet, conteúdos digitais e mundo de informação, mas que nesses ambientes tem contato com simulacros de socialização que não correspondem a interações humanas reais. Isso ocorre com o pornô de internet e a exposição a esse conteúdo desde a juventude como acontece hoje pode acarretar em uma expectativa sobre o ato sexual que nunca será concretizada, algo que o cinema hollywoodiano já explorou em Como Não Perder Essa Mulher (2013).

Também apegada aos simulacros de socialização está Tina, que se torna cada vez mais apegada em redes sociais como se os seguidores fossem ser capazes de funcionar como suporte (ou escape) afetivo para ela não ter que confrontar o quanto o falecimento da mãe lhe impactou. Esse apego de Tina em precisar comunicar tudo aos seguidores acaba criando problemas quando ela se envolve com uma subcelebridade digital interpretada por Sophia Abrahão.

Keyla tenta não apenas sobreviver, pagar as contas e sustentar o filho, como também começa a considerar correr atrás do sonho de ser atriz e é interessante como a narrativa sutilmente indica os sacrifícios que ela faz ao mostrar a mobília de sua casa sumindo, revelando que ela está vendendo os objetos de casa para pagar as contas. Lica pensa em tomar um rumo na vida ao mesmo tempo em que tenta se reaproximar de Samantha (Giovanna Grigio) que, ao contrário de Lica, construiu uma carreira para si. Samantha é possivelmente a mais madura das personagens da série e o fato de ainda assim embarcar nas situações que Lica a coloca denota o sentimento forte que ela ainda tem pela ex (confesso que vou ficar decepcionado se “Limantha” não se concretizar plenamente ao fim da série).

Há um claro afeto e cuidado, tanto do texto quanto da direção e do elenco, na construção dos arcos dessas personagens e até mesmo nos coadjuvantes. Seria fácil reduzir a orientadora de Ellen a uma megera unidimensional, mas ela acaba demonstrando uma motivação compreensível para ser como é e serve de espelho para a jornada da própria Ellen. O “agroboy” com quem Keyla começa a namorar poderia ser apenas um macho chucro, mas o texto dá a ele alguma medida de sensibilidade e eventualmente ele percebe a natureza nociva de algumas condutas.

As próprias protagonistas são pessoas falhas e o texto não tenta esconder a imaturidade de Lica ou a recusa de Tina em lidar com luto. Tudo isso é embalado pela excelente química do elenco principal que, claro, tem a vantagem já terem desenvolvido essa afinidade ao longo de mais um ano juntas em MVAD, mas ajuda a vender o sentimento de que são pessoas que se conhecem há anos. A temporada ainda acerta ao brincar com o formato de alguns episódios, como o que conta histórias soltas de cada protagonista e aos poucos vão se complementando ou o penúltimo episódio que se passa durante a viagem de carro para levar Ellen ao aeroporto e as protagonistas leem uma reportagem que Lica escreveu sobre elas. Esse tipo de experimento ajuda a dar frescor e um grau de imprevisibilidade à temporada.

As Five se mostra uma ótima expansão das personagens construídas Malhação: Viva a Diferença, tratando com cuidado e sensibilidade as dores e prazeres do início da vida adulta.

 

Nota: 9/10


Trailer

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