A trama é focada no casal Malcolm (John David Washington) e Marie (Zendaya). Malcolm é diretor de cinema e o casal acaba de chegar em casa depois do lançamento daquele que promete ser o filme mais importante da carreira dele. Marie, no entanto, começa a vocalizar algumas inquietações que tem com a conduta e a obra dele, iniciando uma discussão.
Filmado em preto e branco e sendo construída ao redor de um casal discutindo relação, há aqui um clima que remete a vanguardas europeias da década de 50 ou 60 ou aos filmes de John Cassavetes do mesmo período. Isso já serve para dar ao filme uma sensação de anacronismo, de algo feito para soar provocador e instigante, mas que chegou 70 anos atrasado e agora soa apenas datado estilisticamente, algo que já tinha acontecido, de certa forma, com o fraco e pretensioso À Beira Mar (2015).
Mais que isso, parece não compreender o que tornava esses filmes tão envolventes. Lá os personagens soavam como sujeitos plenamente realizados que tinham uma vida que se estendia para antes ou depois da trama que os filmes nos mostravam. Aqui, por outro lado, eles parecem não parecem existir para além do momento em que os vemos ou da necessidade de dizerem o que falam aqui. Boa parte dos diálogos é expositivo, com eles explicando como se sentem ou o que eles fizeram antes ao invés de permitir que permitir que percebamos a vida interna deles através de suas ações e condutas.
Washington e Zendaya defendem muito bem seus personagens, trazendo a energia, a frustração, a raiva e o afeto que esses personagens sentem um pelo outro. É por conta do trabalho deles que esses personagens parecem investidos de alguma humanidade já que os diálogos caem muitas vezes na mera exposição conforme debatem relacionamentos, a natureza da arte, da inspiração artística, a vida, o universo e tudo mais. É o tipo de coisa feita com a certeza de que está sendo extremamente profunda, mas que na realidade pouco faz para avançar em questões que outros filmes já trabalharam melhor antes.
Ocasionalmente o filme chega em algumas discussões interessantes, como a longa fala de Malcolm sobre uma crítica de seu filme na qual o personagem furiosamente reclama de como a crítica acaba com a “mística da arte” ao tentar explicar tudo de um filme ou como hoje as escolhas de um artista são reduzidas a questões identitárias. A ideia da crítica interpretativa ou do excesso de interpretação da crítica como algo problemático não é exatamente novo, Susan Sontag já tinha apontado isso na década de 70 no ensaio Contra a Interpretação, mas que se torna relevante nos dias de hoje com a profusão de veículos que adoram fazer matérias e vídeos “explicando o final de filme x” como se a apreciação ou análise de um produto artístico se reduzisse a entender a narrativa.
Do mesmo modo há uma tendência nos últimos anos (e não apenas da crítica) a reduzir uma análise artística a um prisma identitário que em muitos casos é reducionista em diferentes aspectos. Primeiro por muitas vezes reduzir indivíduos a uma única identidade não entendendo as interseccionalidades e diferentes atravessamentos envolvidos na formação da identidade de um sujeito, criando uma visão empobrecida do que é identidade. Segundo por reduzir identidade a uma espécie da “salvo conduto” que determina quais assuntos ou quais abordagens uma pessoa pode ou não falar com base na identidade. A fala de Malcolm, inclusive, não passa sem questionamento, com Marie oferecendo algum contraponto aos pontos de vista defendidos por ele. Nesse sentido é uma pena que tantas outras ideias trazidas aqui sejam apresentadas como mera exposição, discursando sobre esses assuntos ao invés de verdadeiramente ponderar a respeito deles.
Malcolm & Marie conta
com performances intensas de seu casal protagonista e ocasionalmente traz boas
ideias, mas acaba sendo um estudo raso sobre arte e relacionamentos.
Nota: 5/10
Trailer
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