Por mais que o consumo de álcool seja algo natural em nossa
sociedade, ainda há uma dimensão de julgamento moral associada a ele,
principalmente quando falamos em um consumo com alguma regularidade ou quando
vemos alguém beber além da conta em alguma ocasião. Dirigido por Thomas
Vinterberg este Druk: Mais Uma Rodada
pondera sobre nossa relação complicada com essa substância.
A trama é protagonizada por Martin (Madds Mikkelsen), um
professor de história que vê sua carreira e seu casamento estagnarem e sente
viver em uma bolha de apatia. Um dia, em um jantar com outros colegas
professores colegiais, Martin ouve falar de uma proposição de um filósofo de
que seria possível melhorar a vida pessoal e profissional mantendo
constantemente um pequeno percentual de álcool no sangue. Assim, Martin e seus
colegas de trabalho decidem fazer um experimento de tentar manter essa pequena
quantidade de álcool para verificar se isso produz algum resultado.
De início a trama discute como tratamos o álcool como tabu,
mas, ao mesmo tempo, idolatramos os feitos de pessoas que eram notórios
consumidores de álcool como Churchill (que aqui é exibido sob um prisma
puramente positivo, sem mencionar sua violência colonial) ou Hemingway. A
pequena dose de álcool consumida pelos personagens vai alterando seu cotidiano,
deixando-os mais criativos, mais soltos melhorando a atividade profissional e
socialização deles.
De cara este Bad Trip
parece basicamente uma reciclagem da trama de Debi & Loide (1994), mas em sua estrutura ele se faz em cima de
cenas nas quais os personagens interagem com populares na rua que não estão
cientes de estarem participando de uma encenação. Assim, boa parte do filme soa
como uma coleção de pegadinhas a la Jackass
com os protagonistas colocando anônimos em situações absurdas.
A premissa é bem básica, Chris (Eric André) e Bud (Lil Rel
Howery) são dois amigos de infância que moram em uma cidadezinha da Flórida,
vivendo de bicos e subempregos. Quando Chris fica sabendo que Maria (Michaela
Conlin), de quem gosta desde os tempos de escola, vai se mudar para Nova Iorque
ele convence Bud a ir numa viagem de carro para a grande cidade. A questão é
que Chris pede a Bud para usar o carro de Trina (Tiffany Haddish), irmã de Bud
e uma criminosa violenta que está na prisão. Ao longo da viagem, Trina foge da
prisão e resolve ir atrás dos dois.
É um fiapo de roteiro que serve apenas para justificar ações
alopradas de seus personagens, que funcionam por conta da entrega ao absurdo e
cara de pau de André, Howery e Raddish em se manterem no personagem enquanto
reagem com populares incrédulos. Ao contrário de programas de pegadinhas como o
já citado Jackass, esses populares
pegos no meio das cenas raramente servem de vítimas ou objetos de humilhação
para os protagonistas, funcionando mais como cúmplices de cena, reagindo aos
atores e dando a eles mais combustível para que eles construam seu humor físico
e nonsense.
A questão é que, na prática, essas interações com os
populares são muitas vezes reduzidas a olhares curiosos e/ou constrangidos
desses indivíduos, um expediente que fica rapidamente cansativo.
Ocasionalmente, o filme encontra boas interações como na cena em que Chris e
Bud batem o carro, no momento em que Chris cai de cima de um bar ou durante o
confronto final com Trina nas quais vemos os populares tentando ajudar de alguma
maneira. Considerando os tempos em que vivemos, chega a ser reconfortante ver
que existem pessoas dispostas a ajudar completos estranhos em situações doidas
no meio da rua.
Por outro lado, boa parte cenas são completamente
inconsequentes para a trama e considerando que o filme tem oitenta e cinco
minutos, não sobra muito material para sustentar a jornada dos personagens. Se
eles apenas queriam experimentar fazer comédia com pessoas aleatórias na rua,
teria sido melhor criar um programa de esquetes do que um filme narrativo.
Essas cenas também incomodam pelo excesso de edição no qual fica evidente que
cada interação num mesmo espaço aconteceu em momentose/ou dias diferentes, como se o filme estivesse
esperando que alguém reagisse da maneira desejada para enfim construir a cena.
Os recursos de montagem tiram a espontaneidade e fazem
muitos segmentos soarem forçados, um sentimento ampliado durante os créditos do
filme quando vemos que várias cenas, a exemplo do despertar de Chris, foram
filmadas com inúmeras “vítimas”, deixando claro que é menos um exercício de
improviso e mais em provocar os anônimos até obterem o efeito desejado. Aliás,
a própria ideia de que o uso de não-atores produziria algo mais genuíno ou mais
real é, em si, problemática, já que viver uma situação e performar para a
câmera são duas coisas muito distintas (que o diga Clint Eastwood e seu insosso
15h17: Trem Para Paris). Se isso
fosse verdade todo mundo usaria não profissionais e não haveria necessidade
para atores treinados. O fato de Bad Trip
ter que constantemente recorrer a truques de montagem para tentar fazer render
essas interações mostra que essa espontaneidade não vem assim fácil.
Apesar de alguns lampejos de humor e emoção genuínas, Bad Trip tem dificuldade de conciliar
sua trama com as “pegadinhas” envolvendo pessoas reais, com situações que soam
forçadas em muitos momentos.
Produzido pelo jornal New York Times, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma
Estrela chamou atenção por revelar a situação jurídica da cantora pop
Britney Spears, que desde 2008 vive sob tutela jurídica do pai, como se fosse
alguém completamente incapaz de cuidar de si mesma.
O que é apresentado aqui é um competente trabalho de
pesquisa que examina a trajetória profissional de Britney desde quando ela
começou no mundo do entretenimento ainda muito jovem até os dias atuais quando
ela luta para reverter a situação da tutela jurídica. Em termos de forma é um
documentário bem simples, se baseando no padrão de entrevistas e imagens de
arquivo, privilegiando mais a transmissão de informações e a construção da
retórica de convencimento acerca da questão problemática que é a tutela de
Spears.
Mais do que a questão da tutela, o documentário pondera
sobre o papel da mídia na trajetória da cantora, especialmente no modo como ela
foi, desde muito nova, constantemente cobrada, vigiada e pressionada pelos
veículos de imprensa do mundo todo, algo que não deve ser saudável. A natureza
predatória dos paparazzi fica evidente na entrevista com o fotógrafo que
registrou o ataque de Britney com um guarda chuva. Os vídeos feitos por ele
evidenciam que a cantora claramente não estava bem e o tempo todo ouvimos ela
ou as pessoas que estavam com ela pedindo para pararem de filmar, mas ainda
assim o paparazzo a seguiu de carro por horas e na entrevista para o documentário
ainda diz que não fez nada de errado, deixando claro que esse modo de cobrir
celebridades não tem nenhuma preocupação em estabelecer uma boa relação com a
fonte, com o consentimento de imagem ou com princípios éticos.
Dentro da crítica e da cinefilia há toda uma corrente de
debate que argumenta que boa parte dos méritos de Cidadão Kane (1941) residiam no roteiro escrito por Herman
Mankiewicz. Este Mank, dirigido por
David Fincher parece tomar essa posição ao acompanhar Mank enquanto escreve o
roteiro para Orson Welles.
A trama mostra Herman “Mank” Mankiewicz (Gary Oldman)
acamado depois de um acidente de carro. Com problemas financeiros e de saúde
que vinham desde antes do acidente e com a reputação prejudicada entre os
executivos de grandes estúdios por conta de seu alcoolismo, vício em apostas e
constantes críticas às hipocrisias dos magnatas da mídia, Mank aceita escrever
um roteiro para o então incipiente diretor Orson Welles (Tom Burke), uma
história inspirada na trajetória de William Randolph Hearst (Charles Dance).
A narrativa vai e volta no tempo entre o Mank do presente
tentando finalizar seu roteiro e o passado do roteirista, mostrando sua relação
complicada com o produtor Louis B. Mayer (Arliss Howard), chefão da MGM, com o
ricaço Hearst e com Marion (Amanda Seyfred), a jovem esposa de Hearst. Os flashbacks mostram a relação complicada
de Mank com os figurões de Hollywood e da mídia por conta de sua vida de
excessos e posições políticas. Enquanto a Hollywood da década de 1930 adotava
uma postura de não criticar a Alemanha nazista por medo de perder arrecadação
por lá, Mank já denunciava os perigos que os nazistas representavam.
Lidando com um personagem que passa por transformações
radicais em sua vida, O Som do Silêncio não
trata apenas da perda de audição, mas de como aceitar as inevitáveis mudanças
que a vida nos impõe e entender que certas coisas não podem ser restauradas
como eram. São temas delicados, principalmente em relação à comunidade surda,
que muitos filmes as vezes derrapam no excesso de romantização da condição
desses personagens.
Ruben (Riz Ahmed) é um baterista de heavy metal que começa a perder a audição. Ele tem uma banda junto
com a namorada, Lou (Olivia Cooke), e logicamente se preocupa em como seu
problema inviabilizará seu modo de vida. Ruben pensa na possibilidade de
conseguir retomar a vida com um implante coclear, no entanto, o custo alto o
impede de conseguir a cirurgia. Sem alternativas, ele vai morar em uma
comunidade de surdos para aprender a lidar com a nova condição e aceitar que
não há nada de errado com ele.
A jornada do protagonista é quase uma jornada de luto, passando
por estágios como negação, raiva, barganha ou aceitação. De certa forma faz
sentido, já que Ruben experimenta uma perda que praticamente torna impossível
que ele siga com o mesmo modo de vida e precisa de tempo para se adequar à sua
nova realidade. Nesse sentido, Riz Ahmed é ótimo em nos apresentar o desespero
e desamparo de Ruben conforme ele percebe que está em um caminho sem volta.
Dirigido por Ron Howard, este Era Uma Vez um Sonho é um daqueles filmes que parece feito sob
medida para premiações. Traz um diretor de renome e um elenco de peso para
contar um drama baseado em fatos reais sobre superação. Em tese teria tudo que
as premiações adoram e não tinha como dar errado, mas, na prática, muito pouco
funciona no filme
A trama é focada em J.D (Gabriel Basso) um jovem estudante
de direito que volta para sua cidade natal depois de saber que sua mãe, Bev
(Amy Adams), teve uma overdose. Lá, ele começa a rememorar sobre a juventude,
as dificuldades passadas com a família e a difícil relação que tinha com a mãe
e com a avó (Glenn Close).
A narrativa vai e volta no tempo, intercalando o presente de
J.D lidando com a overdose mãe com diferentes momentos do passado em que ele
rememora a infância morando com a mãe e posteriormente com a avó. Não há muita
razão para boa parte dessas idas e vindas que trabalham mais para dar um
caráter fragmentado e episódico do que para efetivamente costurar essas
diferentes experiências. O filme poderia começar com J.D indo para casa e
depois voltando ao passado, contando tudo cronologicamente em ordem a partir
daí que não faria muita diferença.
Não esperava grande coisa deste Por Trás da Inocência, produção original da Netflix. O trailer
tinha toda cara de um thriller erótico
de quinta categoria, mas ainda assim minha curiosidade mórbida levou a melhor e
fui conferir o filme. Minhas expectativas eram extremamente baixas e
surpreendentemente ele conseguiu ser ainda pior do que eu imaginava.
A trama é centrada em Mary (Kristin Davis), uma escritora de
romances de suspense que há anos não produz nada de novo por conta de um
bloqueio criativo. Um dia ela é procurada pelos seus editores que oferecem um
largo adiantamento para que ela produza um novo livro para sua mais famosa
série. Em problemas financeiros por conta de apostas financeiras ruins do
marido, Tom (Dermot Mulroney), ela acaba aceitando e mergulha no universo
sombrio de suas personagens. Ao mesmo tempo, a família contrata uma nova babá
em Grace (Greer Gramer) e Mary começa a sentir uma estranha atração pela jovem,
mas talvez tudo seja apenas imaginação da escritora, muito imersa nas tramas
sombrias de seus livros.
Um policial precisa ir até uma grande metrópole para caçar
um criminoso de sua cidade natal e causa o caos por lá. Essa era a trama de Um Tira da Pesada (1984) e é também a
premissa central deste Cabras da Peste,
que também parodia “filmes de parceiros” como Máquina Mortífera (1987) ou Os
Bad Boys (1995).
Bruceuilis (Edimilson Filho) é um policial de uma pequena e
pacata cidade no interior do Ceará. Quando uma cabra é levada por um caminhão
transportando rapadura batizada com drogas, Bruceuilis segue o criminoso até
São Paulo para recuperar o animal. Lá ele encontra o apoio de Trindade (Matheus
Nachtergaele), um policial paulista sem respeito dos colegas por querer fazer
apenas trabalho burocrático.
É o típico arranjo da dupla de personalidades opostas, um de
temperamento explosivo e afeito a ação e outro mais retraído, como em Máquina Mortífera. Aqui a narrativa é
autoconsciente dos clichês que evoca e constantemente faz piada com isso, a
exemplo da perseguição inicial envolvendo Bruceuilis e um sujeito que
aparentemente roubou um ventilador, uma correria que acaba com barris
convenientemente posicionados explodindo atrás do protagonista.
O musical AFesta de Formatura narra a história de
Emma (Jo Ellen Pellman), uma adolescente lésbica cuja associação de pais da
escola em que ela estuda se recusa a fazer uma festa de formatura na qual ela
possa ir com a namorada. Ao saberem da notícia, um grupo de fracassadas
estrelas da Broadway decide partir a pequena cidadezinha na qual Emma vive para
protestar contra a homofobia do caso e, além disso, se promoverem para
retomarem as carreiras.
Tinha tudo para ser um musical vibrante e divertido com uma
mensagem positiva de enfrentamento dos preconceitos. De certa forma, até é
isso, mas também é demasiadamente arrastado, se alongando por desnecessárias
duas horas e quinze com várias subtramas que apenas repetem as mesmas ideias do
conflito principal envolvendo Emma. Lá pela marca de uma hora, quando a
presidente da associação de pais, Sra. Greene (Kerry Washington), trapaceia na
realização da formatura e deixa Emma sozinha na festa, imaginamos que o filme
caminha para o seu clímax, com as estrelas da Broadway encabeçadas por Dee Dee
Allen (Meryl Streep) organizando uma nova festa ou denunciando a Sra. Greene.
Só que não, ainda há mais de uma hora de filme em que a trama se arrasta para
chegar a esse ponto.
Boa parte dos problemas vem da necessidade da trama em dar a
cada personagem uma subtrama só sua, sendo que muitas dessas histórias soam
redundantes. A narrativa do ator Barry (James Corden) narrando como foi expulso
de casa pela mãe por ser gay toca nas mesmas questões de homofobia da trama
principal, por exemplo. Imagino que todas essas narrativas secundárias já
estivessem presentes no musical teatral que deu origem ao filme, a questão é
que nem tudo que funciona em um meio, funciona em outro.
O discurso contra a homofobia por vezes peca pelo excesso de
didatismo, muitas vezes soando como uma videoaula na qual essas ideias são
explicadas com pouca organicidade. Claro, em muitos momentos o filme lida bem
com isso, em especial no conflito do relacionamento de Emma com a namorada,
Shelby (Sofia Daler), que teme em sair do armário para a mãe. Há também a
questão das variações bruscas de tom, com a narrativa muitas vezes saindo de
uma cena envolvendo um drama sério sobre preconceito para um número musical
alegre e exuberante, com essas transações por vezes soando abruptas.
O ponto alto, logicamente, são os números musicais. Repletos
de cor, energia e exuberância, as canções retratam os sonhos românticos de Emma
ou os desejos de grandeza dos astros da Broadway. As canções também trazem uma
boa dose de humor, reconhecendo que o núcleo da Broadway está agindo mais por
ego do que por crença, com Meryl Streep e Nicole Kidman vendendo muito bem a
falta de noção e desespero por holofotes dessas personagens.
Eu queria ter gostado mais de A Festa de Formatura por causa de suas canções divertidas e elenco
carismático, mas seu ritmo arrastado e excesso de subtramas atrapalham a
experiência.
A produção francesa A
Sentinela parece não ser capaz de decidir que história quer contar. De
início parece um filme que visa discutir as consequências da guerra contra o
terrorismo e as sequelas disso nas tropas. Logo depois vira um filme de
vingança com cara das produções estreladas por Stallone ou Schwarzenegger na
década de oitenta.
Na trama, a soldado Klara (Olga Kurylenko) volta para a
França depois de uma missão de combate ao terrorismo no exterior dar errado.
Afetada por estresse pós-traumático, a soldado tenta reconstruir a vida. Tudo
muda quando a irmã de Klara é estuprada e espancada por um rico estrangeiro com
imunidade diplomática. Quando as autoridades não podem tocar no estuprador de
sua irmã, Klara decide fazer justiça com as próprias mãos.
Apesar de tocar em temas sérios, como as marcas da guerra
que ficam nos soldados ou violência contra a mulher, o filme não tem nada a
dizer sobre nada disso. Toda questão do trauma da protagonista é basicamente
irrelevante para a trama, já que ela poderia ser simplesmente uma soldado
competente que não mudaria coisa alguma. Do mesmo modo, o estupro da irmã dele
serve apenas de motivador para a ação e poderia ser substituído por qualquer
outro crime, como assassinato, espancamento ou atropelamento que não faria
qualquer diferença, é meramente um dispositivo de roteiro para servir de
gatilho para a história.
O filme Janela
Indiscreta (1954) segue na memória do cinema pela excelente condução do
suspense por parte de Alfred Hitchcock e pelo modo como sua narrativa servia
para pensarmos o voyeurismo do próprio ato de ser um espectador de cinema. Este
O Recepcionista também toca no tema do
voyeurismo, mas não tem muito a pensar sobre esse tópico, tampouco consegue criar
um suspense minimamente envolvente.
Na trama, Bart (Tye Sheridan) é um jovem com Síndrome de
Asperger que trabalha como recepcionista noturno em um hotel e tem o hábito de
filmar as pessoas com quem interage para tentar aprender a socializar melhor.
Bart não filma apenas quem conversa diretamente com ele, mas também coloca
câmeras em alguns quartos do hotel em que trabalha. Quando uma mulher é
assassinada diante das câmeras de Bart, isso o coloca em uma corrida contra o
tempo para evitar que a polícia desconfie dele, em especial o detetive Espada
(John Leguizamo), e para descobrir a identidade do real culpado.
Sherdian pesa a mão dos trejeitos e nas inflexões vocais de
Bart, muitas vezes pendendo para uma composição histriônica e exagerada. Não
ajuda que o texto não dê nenhuma nuance ao personagem, reduzindo-o ao seu
transtorno, o que soa anacrônico e um retrocesso na representação de
personagens no espectro do autismo, principalmente quando tivemos retratos mais
complexos de personagens dessa natureza como a Benê (Daphne Bozaski) de Malhação Viva a Diferença e As Five.
Quando vi os trailers deste Dia do Sim me pareceu que seria basicamente uma versão infantil de Sim, Senhor (2008) e, bem, é exatamente
isso. Tem as mesmas mensagens sobre se abrir a novas experiências, sair da zona
de conforto ao mesmo tempo em que lembra que é possível (e necessário) dizer
não em certos momentos. Mesmo com toda a sensação de conteúdo reciclado,
esperava que fosse ao menos divertido. A questão é que enquanto o filme
estrelado por Jim Carrey conseguia trazer situações absurdas e alguma
ponderação dotada de emoção genuína sobre como nos fechamos para a vida ao
nosso redor, Dia do Sim não consegue
fazer nenhuma dessas coisas.
Na trama, o casal Allison (Jennifer Garner) e Carlos (Edgar
Ramirez) está em um relacionamento estagnado e com problemas com os três filhos
que os acham muito controladores e repressores, principalmente Allison. Quando
a escola chama a atenção do casal pelo modo como lidam com os filhos, os
protagonistas decidem tentar um “dia do sim”, um dia em que dizem sim para tudo
que os filhos pedirem.
Dirigido por Judd Apatow, este A Arte de Ser Adulto tem muitos dos mesmos problemas recorrentes
nos filmes do diretor, protagonistas masculinos emocionalmente imaturos sob um prisma romantizado, se
alonga mais do que deveria, uma clara divisão entre uma primeira parte mais
focada em comédia e uma segunda parte mais voltada para o drama. Não significa
que seja desprovido de qualidades, mas, ao mesmo tempo, mostra o quanto os
mecanismos do diretor já estão cansando. Eu sequer sabia que era dirigido por
Apatow quando comecei a assistir e durante a projeção achei que tinha muito a
“cara” do realizador. Resolvi conferir os créditos e vi que de fato era Apatow dirigindo.
A trama, escrita pelo comediante Pete Davidson, tem um cunho
semiautobiográfico. O protagonista, Scott (Pete Davidson), é um jovem de 24
anos que não terminou a escola, vive com a mãe, Margie (Marisa Tomei), e lida
com problemas de ansiedade e depressão desde muito cedo quando perdeu o pai, um
bombeiro que faleceu em serviço. Quando a irmã mais nova de Scott, Claire
(Maude Apatow), sai de casa para ir para a faculdade e Margie arruma um novo
namorado, Ray (Bill Burr), que também é bombeiro, Scott é confrontado sua
imaturidade e forçado a revisitar traumas passados. Assim como o protagonista,
Davidson também cresceu em Staten Island e também perdeu o pai, um bombeiro que
faleceu durante o resgate de vítimas do 11 de setembro, quando ainda era criança.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood
anunciou nesta segunda-feira (15) os indicados ao Oscar 2021. Dirigido por
David Fincher, Mank recebeu o maior
número de indicações, com 11 menções, o que foi uma relativa surpresa
considerando a passagem discreta por outras premiações.
Considerando o contexto da pandemia do COVID-19 e que muitos
países estão com salas de cinema fechadas ou funcionando de modo limitado, o
que não foi surpreendente foi o lugar ocupado por serviços de streaming. A Netflix foi a produtora com
o maior número de indicações esse ano e a Amazon Prime ficou em segundo lugar.
Um fato curioso entre os indicados é Glenn Close ter sido simultaneamente
indicada ao Oscar e ao Framboesa de Ouro (ou seja, como melhor e pior atriz
coadjuvante respectivamente) pelo seu trabalho em Era uma Vez um Sonho.
A 93ª premiação do Oscar deve acontecer no dia 25 de abril, mas seu
formato ainda não foi divulgado. Imagina-se que adaptações serão necessárias
por conta da pandemia. Confiram abaixo a lista completa de indicados.
De início este Moxie:
Quando as Garotas Vão à Luta parece uma comédia adolescente colegial cheia
de mensagens positivas, girl power e
autoafirmação, mas uma guinada brusca no terceiro ato dá um peso e uma seriedade
inesperada que a trama não consegue lidar.
A narrativa é protagonizada por Vivian (Hadley Robinson),
que cansa dos padrões machistas de sua escola, do bullying constante por conta dos garotos populares e da falta de
ação da diretora Shelly (Marcia Gay Harden) e decide mobilizar as garotas do
colégio. Para tanto, ela cria umarevista
chamada Moxie que distribui anonimamente pela escola e, com isso, as coisas
começam a mudar.
É um filme cheio de boas intenções para falar da importância
da mobilização feminina e quanto as mulheres podem crescer se ficarem unidas e
agirem junto. A questão é que a condução desses elementos acontece de maneira
um tanto ingênua, com as garotas da escola rapidamente aderindo à revista de
Vivian sem qualquer oposição além dos já citados garotos populares.
Tudo se resolve muito rapidamente, bastam algumas palavras
de ordem e todos se dobram às garotas, sejam colegas, professores ou outras
instâncias. Eu sei que filmes ou a arte como um todo não precisam
necessariamente falar sobre como o mundo é, que podem contar histórias sobre
como queriam que o mundo fosse, mas mesmo sob este viés, é difícil crer que, no
mundo de hoje, as falas da protagonista e suas amigas não encontrariam oposição
ou resistência.
Ocasionalmente o filme até põe em questão as facilidades que
Vivian encontra em sua jornada ao mostrar as consequências das ações dela sobre
Claudia (Lauren Tsai), melhor amiga de Vivian, que acaba sendo responsabilizada
pela revista. Filha de imigrantes, Claudia conta a Vivian as dificuldades que
ela e a família passam, chamando a atenção de como o feminismo sem consciência
de classe social, etnia ou outras variáveis interseccionais pode continuar
propagando as mesmas desigualdades. Como tudo mais no filme, passa por esses temas
de maneira superficial, mas é um ponto importante de ser abordado.
Até então era possível deixar passar as palavras de ordem e
resoluções fáceis por entender ser um feel
good movie feito para funcionar como um passatempo para o público se sentir
bem e inspirado. O problema maior vem nos últimos vinte minutos da narrativa
quando a trama insere um problema sério demais para ser tratado de maneira tão
leviana.
Nos seus últimos momentos o filme traz uma acusação de
estupro contra o garoto popular que praticava bullying constantemente. É uma
questão séria, que destoa do tom leve do restante do filme. Tratar esse tema
com o devido cuidado por si só já traria uma mudança brusca no tom do filme,
fazer isso nos cerca de quinze minutos entre o surgimento da acusação e o
desfecho da trama é quase irresponsável. Isso porque, como todo resto da
narrativa, bastam algumas palavras de ordem e frases motivacionais para que
tudo se resolva e tudo fique bem, quando no mundo real as coisas são muito mais
complexas.
Dificilmente uma acusação dessa natureza, principalmente
contra um garoto popular e de classe alta, se resolveriam com tanta facilidade.
A garota que denunciou provavelmente enfrentaria ataques pessoais e mesmo sendo
muito otimista que isso não acontecesse, dificilmente seu trauma se resolveria
com meia dúzia de frases clichê de autoajuda. Do modo como aparece no filme o
estupro é usado de maneira sensacionalista e irresponsável apenas para gerar um
choque e depois passar por cima de todas as repercussões e complexidades que um
tema desses geraria. Dá para perceber que o filme tinha boas intenções, mas nem
sempre boas intenções se concretizam e aqui elas prestam um desserviço que
banaliza o modo como lidamos com abuso.
Perdido entre ser uma comédia adolescente leve ou filme
sério sobre abuso, Moxie: Quando as
Garotas Vão à Luta é um exemplo que de que boas intenções não são
suficiente para sustentar uma narrativa problemática.
O Framboesa de Ouro, premiação que “homenageia” os piores
filmes do ano divulgou nesta sexta-feira (12/03) os seus indicados. 365 Dias e Dolittle lideram com seis indicações cada. Entre as omissões está The Last Days of American Crime, que foi massacrado no lançamento, mas não recebeu nenhuma indicação, e A Última Coisa que Ele Queria, que ficou em primeiro lugar em nossa lista de piores filmes do ano passado, mas aqui recebeu apenas uma indicação. O anúncio dos vencedores
deve acontecer on-line no dia 24 de abril, até lá confiram abaixo a lista
completa de indicados e contem para nós qual filme tem a torcida de vocês.
Escrito e estrelado por Annie Mumolo e Kristen Wiig (que
juntas também escreveram Missão Madrinha
de Casamento) este Duas Tias Loucas
de Férias é uma comédia tão absurda e sem noção que me pergunto como as
duas roteiristas conseguiram pensar em tantas coisas sem sentido e conseguiram
mesclar tudo em um filme minimamente coeso dentro do universo quase que
cartunesco que tenta criar. Digo isso porque penso é necessário muita fabulação
e inteligência para criar personagens tão estúpidos e ainda assim nos fazer
minimamente nos importar com eles.
A trama acompanha as amigas Barb (Annie Mumolo) e Star
(Kristen Wiig), duas mulheres de meia idade que ficam sem rumo depois que a
loja de móveis em que trabalham acaba fechando. Elas decidem se reinventar
viajando para uma pequena cidade na Flórida chamada Vista Del Mar, supostamente
um paraíso para pessoas de meia idade. Lá elas conhecem o bonitão Edgar (Jamie
Dornan) e se envolvem com ele romanticamente. O que elas não sabem é que Edgar
é um perigoso espião trabalhando para a supervilã Sarah Gordon Fisherman
(também Kristen Wiig) que deseja matar todos em Vista Del Mar usando um
dispositivo que controla mosquitos assassinos.
Em termos de premissa, a jornada de uma garota para
encontrar a última esperança de salvar um mundo à beira da destruição por
forças malignas não é exatamente novidade, nem mesmo a ideia da necessidade de
união diante de um grande mal. Estamos, no entanto, vivendo tempos tão
polarizados, com tanta divisão e falta de diálogo que é difícil não perceber o
quanto a animação Raya e o Último Dragão é
relevante para os tempos em que estamos vivendo.
Na trama, a jovem Raya (voz de Kelly Marie Tran) percorre
seu reino na esperança de conseguir invocar Sisu (voz de Awkwafina) a última
dos dragões e a aparentemente a única capaz de deter o avanço dos Druun, uma
praga mística que transforma em pedra todos os seres vivos que toca. Sisu já
tinha contindo os Druun séculos atrás quando concentrou a magia dos dragões em
uma joia mágica, mas a gema se partiu quando as múltiplas nações do reino
lutaram por sua posse.
O coração da trama, portanto, é a ideia de união. O avanço
dos Druun não se dá por conta de um vilão específico e sim pela incapacidade
humana de cooperar. As nações se dividem porque não conseguem dialogar e se
mantem divididas porque todos estão presos a rancores de séculos atrás e são
incapazes de dar um voto de confiança para o outro. A divisão, portanto, enfraquece
um mundo da trama. O arco de Raya vai se o de superar o trauma do passado
quando foi traída por alguém que julgava ser sua amiga e aprender que as outras
nações não são o que ela pensava ser.
Perdi as contas de quantas vezes vi Um Príncipe em Nova York (1988) na Sessão da Tarde e em VHS. Era
uma comédia romântica bem tradicional em termos de trama (o cara rico que finge
ser pobre é usado por Hollywood desde a década de 1930), mas tinha um diretor e
um protagonista no auge de suas respectivas formas, conduzindo tudo com um
carisma e um afeto que é difícil não se deixar conquistar pelo filme. É o tipo
de clássico que não dá para repetir, então me aproximei deste Um Príncipe em Nova York 2 com certa
cautela. O resultado é logicamente inferior ao original, mas não chega a ser
intragável.
Na trama, Akeem (Eddie Murphy) se torna rei de Zamunda
depois do falecimento de seu pai, Jaffe (James Earl Jones). Como Akeem não tem
filhos homens, ele ascende ao trono sem um príncipe herdeiro, pois as leis de
Zamunda determinam que apenas homens podem assumir o trono. Isso o coloca sob
ameaça do general Izzi (Wesley Snipes), governante do país vizinho que planeja
assassinar Akeem. As coisas mudam quando Semmi (Arsenio Hall) conta a Akeem que
ele tem um filho bastardo nos Estados Unidos. Assim, Akeem retorna ao Queens
para tentar trazer o filho, Lavelle (Jermaine Fowler), para Zamunda e torná-lo
seu herdeiro.
Lançado em 1962, Cleo
das 5 às 7 é o segundo longa-metragem dirigido pela cineasta Agnes Varda e
ajudou a sedimentar a diretora como um nome importante do movimento da nouvelle vague francesa bem como no
cinema mundial. Em um espaço dominado por homens (e mesmo hoje ainda é) o filme
de Varda toca em questões de existencialismo e também de como a sociedade
francesa percebia as mulheres.
A trama é centrada na cantora Florence “Cleo” Victoire
(Corinne Marchand) que aguarda o resultado de um exame que lhe dirá se ela tem
câncer. Nas horas que antecedem a resposta sobre sua saúde, acompanhamos Cleo
conforme ela questiona o que fazer com sua vida e encara a possibilidade da
morte.
Se passando quase que em tempo real, a narrativa pondera
sobre a vida e as coisas que lhe de dão sentido, mostrando como mesmo em um
curto espaço de tempo muita coisa pode acontecer, podemos descobrir sentimentos
que não conhecíamos ao nosso respeito, trabalhar ou mesmo agir de maneira
fútil, mas que tudo isso significa estar experimentando a vida, as
possibilidades que o mundo nos dá.
A série (minissérie?) WandaVision
não era para ser a primeira entre os seriados do universo Marvel previstos
para o Disney+. O previsto era que O
Falcão e o Soldado Invernal fosse a estreia da Marvel no streaming da Casa do Mickey, mas a série
sofreu atrasos nas gravações, então esse papel coube a WandaVision. Assistindo à série é possível entender porque
inicialmente ela não foi pensada para ser nosso primeiro contato com esse
universo depois de quase um ano de hiato por conta da pandemia. O formato e
estrutura narrativa, que foca em paródias de sitcoms é diferente demais do tipo de narrativas encontradas nos
filmes da Marvel, um atributo que acaba sendo a principal vantagem e também um
dos problemas da série. Aviso que o texto abaixo contem SPOILERS da série.
A trama se passa tempos depois de Vingadores: Ultimato(2019). Wanda (Elizabeth Olsen) está
aparentemente casada com Visão (Paul Bettany) e vivendo uma idílica vida de
classe média suburbana. Só um problema, Visão foi morto por Thanos (Josh
Brolin) nos eventos de Vingadores: Guerra Infinita (2018) e, de alguma maneira, o casal parece estar vivendo em uma
espécie de sitcom da década de 50.
Aos poucos, no entanto, vamos percebendo que há algo muito estranho nessa
realidade.
A pandemia trouxe várias mudanças em nosso cotidiano. Afetou
nossas relações pessoais, trabalho e mexeu na maneira como fazemos muitas
coisas. A realização audiovisual foi uma das atividades mais afetadas pela
pandemia, afinal ter dezenas de pessoas em um set fechado, mesmo de máscara,
não é plenamente seguro. Muitos realizadores tentam pensar em tipos de
histórias que podem ser contadas no contexto pandêmico e Cuidado Com Quem Chama é um desses esforços.
A narrativa segue um grupo de amigas que, entediadas com o
confinamento da quarentena, contratam uma médium para fazer uma sessão espírita
via videoconferência. Logicamente coisas estranhas começam a ocorrer e o grupo
desconfia que talvez tenham invocado algum espírito maligno.
Não é o primeiro filme a ser feito com personagens em
videoconferência, outros como Amizade Desfeita (2014) e Buscando(2018)
já contaram histórias usando esses dispositivos. Até mesmo a série Modern Family já tinha feito um episódio
inteiro dessa maneira. Aqui, no entanto, dado o contexto da pandemia, recorrer
a esse meio para contar uma história bem típica de invocação maligna soa como
uma solução esperta para contornar os problemas que se impõem na realização
audiovisual por conta dos cuidados sanitários que devem ser tomados.
De início este Pode
Guardar Um Segredo? começa como uma banal comédia romântica, mas conforme a
trama se desenvolve, vai se tornando cada vez mais problemático, ao ponto em
que fica insuportável de assistir. É o tipo de filme que até poderia funcionar
como uma diversão despretensiosa, mas é tão equivocado na construção do
relacionamento do casal principal que reproduz ideias antiquadas sobre homens e
mulheres.
Na trama, Emma (Alexandra Daddario) é uma jovem atrapalhada,
que constantemente se mete em problemas e não consegue manter um emprego.
Durante um voo ela conhece Jack (Tyler Hoechlin) e acaba confidenciando a ele
seus principais segredos durante uma violenta turbulência do avião. Ao voltar
para o trabalho, Emma fica sabendo que o dono da empresa vai chegar para
supervisionar a filial e descobre que ele é ninguém menos que Jack. Agora ela
precisa saber como lidar com alguém que conhece seus segredos mais íntimos.
O roteiro tenta construir Emma como aquele clichê de comédias
românticas como a jovem aparentemente banal, atrapalhada e sem confiança que
não consegue fazer nada certo até que conhece um homem que abre seus horizontes
e ela começa a por a vida no lugar. Tem vários problemas dentro dessa
construção. O primeiro é que tanto o texto quanto a performance de Daddario
pesam tanto a mão no lado desengonçado e esquisito da personagem que ela soa
como uma completa lunática desequilibrada ao invés encantadora. Outro problema
é que o texto tenta vender a ideia de Emma como essa garota sem graça, tão
incapaz de chamar a atenção de qualquer homem que ela fica surpresa quando Jack
demonstra interesse nela. Essa ideia cai por terra quando lembrando que a
personagem tem a aparência de Alexandra Daddario, uma mulher extremamente
atraente. Então quando ouvimos Emma falar sobre padrões de beleza é difícil
comprar a insegurança da personagem, já que ela se encaixa completamente
naquilo que seria considerado atraente.
Se por um lado temos Emma como uma mulher cheia de falhas,
por outro Jack não possui absolutamente nenhuma. O personagem é um príncipe
encantado perfeito durante boa parte da trama e relação entre dois não só é
unilateral como nunca explica o motivo dele se sentir atraído por Emma. Sim,
Jack explica que foram as confissões dela no avião, mas considerando que a
personagem pende mais para doida do que para desengonçada, é difícil embarcar
na ideia de que o alto executivo de uma empresa se apaixonaria por uma
histérica que lhe revelou todas as intimidades durante uma turbulência. Além
disso, incomoda que a relação deles consista em Emma idolatrar Jack enquanto
ele é retratado como alguém magnânimo por estar dando oportunidade para que uma
garota tão cheia de falhas como Emma esteja com alguém tão perfeito quanto ele.
Essa dinâmica da mulher cheia de problemas que é “resgatada”
por um “príncipe encantado” transforma Emma em uma figura passiva, que precisa
ser salva de sua vida de mediocridade por esse homem aparentemente perfeito já
que de outro modo não conseguiria dar uma guinada na própria existência.
Reproduzir essas noções anacrônicas em pleno século XXI, de que uma mulher só
seria capaz de amadurecer quando um homem salvador aparecer em sua porta, é um
desserviço.
O que já era ruim se torna muito pior quando Jack revela em
uma entrevista na televisão todos os segredos íntimos que Emma lhe contou e a
trama trabalha pesado em relativizar o comportamento do executivo e força a
barra para atenuar as consequências. Realisticamente seria impossível que Emma
conseguisse continuar trabalhando na empresa ou que conseguisse reconstruir a
carreira por um bom tempo. O filme até mostra os colegas fazendo piadas e
comentários maldosos, mas logo tudo é esquecido pelo roteiro.
Do mesmo modo, ter um alto executivo revelando em rede nacional
as intimidades de uma funcionária com quem ele se relaciona certamente
levantaria acusações de assédio a tal ponto que seria inviável ele se manter no
cargo e causaria um enorme dano à imagem da empresa. Mais uma vez o filme até
tenta abordar essa questão com a supervisora de Emma perguntando a ela se houve
algum assédio, mas o momento é completamente sabotado pelo fato da supervisora
dizer que conhece a boa índole de Jack, como que fazendo uma defesa prévia do
personagem. É como se essa declaração anulasse a óbvia dinâmica de poder em
jogo ou fato de Jack ser gente boa tornasse impossível que ele pudesse cometer
assédio, sendo que assediadores comumente se apresentam como “caras legais”.
Para piorar tudo, o texto ainda tenta colocar Jack como uma
vítima da situação ao inserir um mal entendido em que Jack crê que Emma iria
contar as intimidades dele para um repórter. Assim que isso acontece, o filme
parece esquecer a gravidade do que Jack fez (de novo, realisticamente ele teria
acabado com a carreira de Emma) e constrói toda a situação como se Emma que
devesse desculpas a Jack e as ações dele fossem um mero vacilo sem grandes
consequências. Tudo isso soa manipulativo e desonesto, tentando forçar um
enlace romântico quando não devia ter um e sequer temos motivos para torcer
para que o casal termine junto, já que Jack se comportou como um babaca e Emma
passa o filme inteiro agindo como uma lunática.
Os momentos de humor raramente funcionam, gerando mais
vergonha ou irritação do risadas de fato. Gemma (Kimiko Glenn), por exemplo,
deveria ser a amiga engraçada da protagonista que dá conselhos absurdos, mas
ela é tão fútil, autocentrada e desagradável que mais causa incômodo do que
gargalhadas. As cenas que o texto tenta fazer rir pela conduta desengonçada de
Emma não funcionam porque é tudo tão exagerado que a protagonista não soa
apenas como uma garota atrapalhada, mas como alguém tão incapaz de entender
conduta humana básica que chega a ser surpreendente que ela consiga viver em
sociedade.
Com personagens desinteressantes, humor que não funciona e
uma visão problemática sobre relacionamentos, Pode Guardar um Segredo? é um desastre do qual praticamente nada se
salva.
Persona 5é um dos
melhores JRPGs da última geração de consoles, então quando foi anunciado este Persona 5 Strikers(disponível para PS4 e Nintendo Switch), um spin-off desenvolvido pela Omega Force
que traria o combate explosivo de Dynasty
Warriors para Persona 5 de
maneira semelhante ao que tinham feito com Zelda
em Hyrule Warriors ou com Dragon Questem Dragon Quest Heroes. Tendo jogado Persona 5 Strikers posso dizer que o jogo é menos um derivado e
mais uma continuação direta, que mantem muito da estrutura do jogo original.
A trama se passa seis meses depois da trama original (Persona 5 Royal não é cânone) com os
personagens se reencontrando para passarem férias juntos. Antes que saiam em
uma viajem juntos, no entanto, descobrem que o Metaverso ainda está ativo e
alguém o está usando para roubar os desejos das pessoas. Os personagens logo
descobrem que as prisões do Metaverso estão se manifestando ao redor do Japão,
então decidem usar a viagem de férias para tentar resolver o mistério do que
está acontecendo.
Apesar da narrativa ser uma continuação, é possível
acompanhar o que acontece mesmo sem ter jogado Persona 5. Claro, você provavelmente vai perder uma ou outra
referência aos eventos do original, mas a história consegue se sustentar por
conta própria. A trama mostra o quanto os personagens amadureceram desde a
última vez que os vimos, muitas vezes tentando aconselhar e redimir os
antagonistas que controlam as prisões que encontram. Falo antagonistas porque
muitos deles não são necessariamente malignos, são, em muitos casos, pessoas
tomadas por trauma, que fizeram escolhas equivocadas e tentaram resolver seus
problemas da pior maneira possível. Isso ajuda a dotar os antagonistas e
situações encontradas de alguma medida de ambiguidade moral, evitando
maniqueísmos fáceis.
De uma biografia esperamos não só uma narrativa sobre a vida
de uma pessoa, mas o esforço para entender esse sujeito e, no caso de uma
pessoa famosa, ir além do retrato midiático, mostrando o indivíduo que existe
para além da imagem pública construída a seu respeito. O documentário Pelé até narra um recorte da vida do
célebre jogador de futebol, mas faz pouco para ir além de um relato da imagem
midiática já conhecida de Edson Arantes do Nascimento.
A narrativa do filme foca no início da carreira de Pelé e vai
até o período de quatro Copas do Mundo, indo de 1958, quando o Brasil foi
campeão pela primeira vez, ao tri campeonato na Copa de 1970. Tirando a parte
da juventude do jogador, o documentário se detêm principalmente sobre a
carreira profissional de Pelé.
É um documentário relativamente convencional em sua
estrutura, recorrendo a entrevistas com conhecidos, jornalistas esportivos como
Juca Kfouri e José Trajano e o próprio Pelé. Essas entrevistas são intercaladas
por imagens de arquivo das partidas e eventos históricos narrados.
Ocasionalmente temos imagens de bastidores de treinos, instantes pouco
conhecidos de um Pelé em momentos mais íntimos, mas no geral essas imagens de
arquivo são de eventos e ações públicas e já conhecidas a respeito do biografado.