quinta-feira, 8 de abril de 2021

Crítica – Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia

 

Análise Crítica – Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia

Review – Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia
O documentário Super Size Me: A Dieta do Palhaço (2004) fez sucesso por expor os malefícios da indústria do fast food, ainda que usasse alguns expedientes sensacionalistas para falar dos temas que eram centrais para sua discussão, em especial a decisão do diretor Morgan Spurlock em se submeter a comer McDonald’s por um mês inteiro para mostrar os malefícios à saúde. A questão é que já haviam estudos documentando isso, então a decisão do diretor parecia mais motivada para provocar choque do que para fins de pesquisa. Este Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia volta a questionar a indústria do fast food, focando principalmente na indústria do frango.

Se no primeiro filme ele usava o dispositivo da dieta para enquadrar sua narrativa, aqui Morgan parte da ideia de criar sua própria rede de fast food para tentar entender como funciona essa indústria, desde a produção da carne até a organização dos restaurantes e como essa comida é apresentada em termos publicitários. Como no anterior, Spurlock apresenta algumas conclusões óbvias como se fossem grandes achados, em especial na noção de que as mensagens da publicidade existem para estimular o consumo e usam uma retórica de aliviar os malefícios dos alimentos ultraprocessados que vende. Alguém ainda tinha dúvida disso? Qualquer pessoa que vai a um fast food já deve ter percebido, por exemplo, que as imagens da comida sempre são mais atraentes do que a comida em si.

Há também uma questão ética no modo como Spurlock se aproxima de seus entrevistados, principalmente alguns membros da indústria e consultores de negócios. A construção de um restaurante fast food é basicamente um falso pretexto para fazer essas pessoas falarem, já que o interesse do diretor é mais na denúncia do que em realmente ouvir conselhos de negócios. Ou seja, ele basicamente engana os entrevistados a conversarem e me pergunto se isso é realmente necessário considerando que ele tem outras fontes críticas a indústria que informam dos mesmos elementos do que as pessoas que ele engana para entrevistar.

O expediente poderia ser justificado sob a ideia que ele queria “ouvir o outro lado’, mas a verdade é que Spurlock não tem essa disposição. O cineasta tem um posicionamento claro desde o início sobre essa indústria e nenhum interesse real em ouvir pessoas que fazem parte e defendem essa indústria. Quando o vemos conversar com esses consultores, é sempre em uma chave de deboche ou denúncia, mas se a perspectiva deles não o interessa, ele não precisaria ouvi-los para fazer deboche ou denúncia. Afinal ele está fazendo cinema e não jornalismo, não esperamos de um documentarista a isenção de um telejornal e seria mais sincero se Spurlock simplesmente fosse transparente e assumisse o lado do qual está ao invés de forçar uma isenção que ele não tem.

Por outro lado, o documentário levanta pontos importantes em relação ao modo como órgãos de regulação governamentais estão mais interessados em atender a demanda das empresas do que efetivamente fiscalizar a qualidade dos produtos.. Spurlock mostra como os requisitos para obter selos de “orgânico”, “natural” ou “animais criados livremente” são extremamente vagos e não tem qualquer peso de determinar a qualidade de um alimento. Alguns como “100% livre de hormônio” sequer fazem sentido já que é proibido por lei nos EUA (e em muitos outros países, na verdade) dar hormônios a animais de corte, então o selo é pura baboseira inútil que em nada serve para ajudar a orientar o cidadão, o que deveria ser a função principal de um órgão governamental de regulação.

O mais consistente do documentário reside nas conversas com donos de granja e os relatos de abuso por parte das cinco grandes empresas que praticamente controlam toda a produção de frango nos Estados Unidos. Spurlock mostra como todo o sistema de terceirização de produção e controle vertical exercido por essas companhias existe para manter os pequenos produtores em constante estado de dívida enquanto amplia os lucros das corporações. Revela ainda como toda a estrutura de pagamentos que supostamente seria meritocrática, pagando mais aos produtores que produzem com mais eficiência e qualidade, é qualquer coisa menos dependente do mérito. Afinal, essas grandes empresas são responsáveis por definir que ninhada e que tipo de alimentação o produtor vai receber em sua granja, então bastaria dar ninhada e comida de baixa qualidade para baixar a produtividade de um fazendeiro específico e assim pagar menos a ele. Dessa forma, as grandes empresas exercem um poder e controle quase absolutos sobre os produtores que trabalham para eles.

No final, imaginei que a inauguração do restaurante de Spurlock fosse ser algo temporário, aberto por alguns dias apenas para chamar atenção sobre os problemas do fast food, mas pelo letreiro final ele parece disposto a criar de fato uma franquia de restaurantes, o que cria outro problema para a retórica denuncista dele. Afinal, por mais que seu restaurante seja sincero sobre as estratégias da indústria para vender comida ultraprocessada e pouco saudável ele ainda está efetivamente vendendo comida ultraprocessada e pouco saudável para as pessoas, lucrando com isso. É uma contradição a qual ele não comenta ou não percebe e dá um leve tom de hipocrisia ao discurso construído aqui.

A despeito de alguns expedientes sensacionalistas e questionáveis Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia traz informações importantes sobre a indústria do fast food e da produção de frango, servindo como um ponto de partida para debater essas práticas.

 

Nota: 6/10


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