Se no primeiro filme ele usava o dispositivo da dieta para enquadrar sua narrativa, aqui Morgan parte da ideia de criar sua própria rede de fast food para tentar entender como funciona essa indústria, desde a produção da carne até a organização dos restaurantes e como essa comida é apresentada em termos publicitários. Como no anterior, Spurlock apresenta algumas conclusões óbvias como se fossem grandes achados, em especial na noção de que as mensagens da publicidade existem para estimular o consumo e usam uma retórica de aliviar os malefícios dos alimentos ultraprocessados que vende. Alguém ainda tinha dúvida disso? Qualquer pessoa que vai a um fast food já deve ter percebido, por exemplo, que as imagens da comida sempre são mais atraentes do que a comida em si.
Há também uma questão ética no modo como Spurlock se aproxima de seus entrevistados, principalmente alguns membros da indústria e consultores de negócios. A construção de um restaurante fast food é basicamente um falso pretexto para fazer essas pessoas falarem, já que o interesse do diretor é mais na denúncia do que em realmente ouvir conselhos de negócios. Ou seja, ele basicamente engana os entrevistados a conversarem e me pergunto se isso é realmente necessário considerando que ele tem outras fontes críticas a indústria que informam dos mesmos elementos do que as pessoas que ele engana para entrevistar.
O expediente poderia ser justificado sob a ideia que ele queria “ouvir o outro lado’, mas a verdade é que Spurlock não tem essa disposição. O cineasta tem um posicionamento claro desde o início sobre essa indústria e nenhum interesse real em ouvir pessoas que fazem parte e defendem essa indústria. Quando o vemos conversar com esses consultores, é sempre em uma chave de deboche ou denúncia, mas se a perspectiva deles não o interessa, ele não precisaria ouvi-los para fazer deboche ou denúncia. Afinal ele está fazendo cinema e não jornalismo, não esperamos de um documentarista a isenção de um telejornal e seria mais sincero se Spurlock simplesmente fosse transparente e assumisse o lado do qual está ao invés de forçar uma isenção que ele não tem.
Por outro lado, o documentário levanta pontos importantes em relação ao modo como órgãos de regulação governamentais estão mais interessados em atender a demanda das empresas do que efetivamente fiscalizar a qualidade dos produtos.. Spurlock mostra como os requisitos para obter selos de “orgânico”, “natural” ou “animais criados livremente” são extremamente vagos e não tem qualquer peso de determinar a qualidade de um alimento. Alguns como “100% livre de hormônio” sequer fazem sentido já que é proibido por lei nos EUA (e em muitos outros países, na verdade) dar hormônios a animais de corte, então o selo é pura baboseira inútil que em nada serve para ajudar a orientar o cidadão, o que deveria ser a função principal de um órgão governamental de regulação.
O mais consistente do documentário reside nas conversas com donos de granja e os relatos de abuso por parte das cinco grandes empresas que praticamente controlam toda a produção de frango nos Estados Unidos. Spurlock mostra como todo o sistema de terceirização de produção e controle vertical exercido por essas companhias existe para manter os pequenos produtores em constante estado de dívida enquanto amplia os lucros das corporações. Revela ainda como toda a estrutura de pagamentos que supostamente seria meritocrática, pagando mais aos produtores que produzem com mais eficiência e qualidade, é qualquer coisa menos dependente do mérito. Afinal, essas grandes empresas são responsáveis por definir que ninhada e que tipo de alimentação o produtor vai receber em sua granja, então bastaria dar ninhada e comida de baixa qualidade para baixar a produtividade de um fazendeiro específico e assim pagar menos a ele. Dessa forma, as grandes empresas exercem um poder e controle quase absolutos sobre os produtores que trabalham para eles.
No final, imaginei que a inauguração do restaurante de Spurlock fosse ser algo temporário, aberto por alguns dias apenas para chamar atenção sobre os problemas do fast food, mas pelo letreiro final ele parece disposto a criar de fato uma franquia de restaurantes, o que cria outro problema para a retórica denuncista dele. Afinal, por mais que seu restaurante seja sincero sobre as estratégias da indústria para vender comida ultraprocessada e pouco saudável ele ainda está efetivamente vendendo comida ultraprocessada e pouco saudável para as pessoas, lucrando com isso. É uma contradição a qual ele não comenta ou não percebe e dá um leve tom de hipocrisia ao discurso construído aqui.
A despeito de alguns expedientes sensacionalistas e
questionáveis Super Size Me 2: O Frango
Nosso de Cada Dia traz informações importantes sobre a indústria do fast food e da produção de frango,
servindo como um ponto de partida para debater essas práticas.
Nota: 6/10
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