quarta-feira, 26 de maio de 2021

Crítica – Judas e o Messias Negro

 

Análise Crítica – Judas e o Messias Negro

Review – Judas e o Messias Negro
De início imaginei que o título deste Judas e o Messias Negro operava em uma grande hipérbole, mas, de fato, a trama do informante que entregou um dos principais líderes dos Panteras Negras em troca de dinheiro lembra a jornada de Judas entregando seu messias por um punhado de moedas.

Baseada em fatos reais, a narrativa acompanha Bill O’Neal (Lakeith Stanfield), um pequeno criminoso que é pego pelo FBI e é transformado em informante, sendo mandado para se infiltrar nos Panteras Negras e vigiar Fred Hampton (Daniel Kaluuya), líder da filial de Illinois do partido. A história é contada pela estrutura típica do infiltrado que se aproxima demais daquele que devia investigar, perde um pouco de sua perspectiva e fica em dúvida sobre a missão, mas o desenvolvimento dos personagens tem nuance o suficiente para envolver.

A narrativa capta bem o momento de instabilidade social da década de 1960 conforme diferentes movimentos sociais, como os movimentos negros, passaram a lutar por igualdade e direitos civis. Muitos desses movimentos, como os Panteras Negras, eram tratados como grandes ameaças à ordem pública pelas autoridades federais, temendo um levante da população menos favorecida.

Daniel Kaluuya é excelente em construir a presença imponente de Fred, seu discurso articulado e a natureza arguta de como ele analisava a realidade em que vivia. O ator também convence da capacidade de diálogo de Fred e o modo como ele conseguia congregar diferentes grupos sociais em sua causa, como latinos e até mesmo brancos de comunidades pobres, afastando-os de grupos de supremacia racial para trazê-los à luta proletária. Como Kaluuya é tão bom em nos mostrar a habilidade de liderança de Fred, conseguimos entender porque o FBI e o diretor J. Edgar Hoover (Martin Sheen) o viam como um “messias negro” capaz de congregar e pacificar diferentes povos em prol de uma única causa.

O filme, no entanto, evita sacralizar demais Fred, mostrando como o discurso dele se radicalizou e pendeu para a violência depois do tempo em que ele passou na prisão ou o modo como ele parece deixar a namorada grávida em segundo plano por conta de sua dedicação à causa. Já Lakeith Stanfield traz uma ambiguidade a Bill, um sujeito que aos poucos começa a entender e acreditar nos ideais defendidos por Fred, mas que aprecia o dinheiro e benefícios que o FBI concede a ele como informante. O clímax do filme evidencia como a decisão de entregar Fred aos federais pende na consciência de Bill, que praticamente precisa ser intimidado a fazê-lo, sendo que a decisão final de Bill, narrada pelos letreiros finais, o aproxima ainda mais do ‘judas” do título.

Seria fácil para o texto reduzir o agente Mitchell (Jesse Plemons) a um mero racista ressentido. O filme, no entanto, o apresenta como alguém que parece se importar com direitos civis para as minorias, mas adere ao discurso da agência de que as organizações negras são terroristas e, conscientemente ou não, trabalha para manter o status quo de desigualdades do país. Ele é dotado de alguma noção de moralidade, como fica evidente na maneira que critica um colega de trabalho por forjar uma situação de flagrante contra os Panteras, no entanto, acaba cedendo aos métodos de Hoover. Ele é mais alguém condicionado por um meio (o que não o exime da função que desempenhou), demonstrando o racismo estrutural que permeia as agências de policiamento, do que um sujeito naturalmente truculento.

Judas e o Messias Negro inteligentemente evita as armadilhas que permeiam esse tipo de filme, evitando um relato hagiográfico dos fatos e tratando seus biografados como indivíduos complexos, elevado pela qualidade do seu elenco.

 

Nota: 9/10


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