quarta-feira, 30 de junho de 2021

Crítica – Luca

 

Análise Crítica – Luca

Review – Luca
Quando escrevi sobre Soul (2020) mencionei a tradição da Pixar de pegar temas complexos e trazer discussões profundas sobre eles sem abrir mão da acessibilidade para um público amplo, inclusive para um público infantil. Falei também que, no caso de Soul, a discussão sobre vida, encontrar um propósito e aproveitar o tempo que temos era diluída pelo meio do filme que abandonava boa parte de seus temas para investir no humor do protagonista transformado em gato. Pois algo similar acontece neste Luca, que até tem metáforas bem construídas para falar sobre preconceito e autoaceitação, mas se perde em um miolo entediante.

A trama acompanha Luca, uma jovem criatura marinha que tem curiosidade em saber como é a vida na superfície. Um dia ele acidentalmente sai da água e descobre que assume uma forma humana quando não está molhado e decide explorar o mundo humano ao lado de Alberto, também um garoto monstro marinho que deseja se aventurar no mundo humano. O problema é que os humanos odeiam as criaturas marinhas, então eles precisam ter muito cuidado para não serem descobertos.

Há aqui uma metáfora sobre preconceito, sobre precisar esconder quem é para ser aceito e não sofrer violência. Nesse sentido, funciona como um símbolo para a população LGBTQIA+ que precisaria ficar “no armário” e muitos elementos do filme sustentam essa noção. O oceano surge aqui como esse espaço que limita o protagonista, que o obriga a se manter nas profundezas por medo de não mostrar ao mundo quem realmente é, inclusive com os pais de Luca querendo forçá-lo a viver em águas ainda mais profundas sob o argumento de protegê-lo. De maneira semelhante, o fato de Alberto viver enclausurado em uma antiga torre que parecia ser uma prisão no meio de uma ilha indica a sensação de aprisionamento de ter que viver sem poder ser quem se é de verdade.

A questão é que, assim como em Soul, o meio do filme abandona boa parte das metáforas e temas complexos para ser uma aventura bem genérica de amadurecimento, igual a tantas outras animações que assistimos. A partir do momento em que eles chegam na vila humana tudo passa a se enquadrar no molde da narrativa sobre as férias que mudaram a vida de um jovem, com direito a uma competição cuja vitória resolverá todos os problemas e um riquinho esnobe genérico como oponente. Tudo é quadrado e previsível demais (como também aconteceu em Dois Irmãos), longe daquela Pixar que nos surpreendia com tramas que nunca sabíamos exatamente onde tudo ia levar como Ratatouille (2007), Wall-E  (2008), Up: Altas Aventuras (2009) ou Divertida Mente (2015).

O filme só se recupera próximo ao fim, quando volta a trabalhar com mais consistência os temas de preconceito e autoaceitação que apresenta, incluindo momentos de impacto emocional que remetem aos melhores momentos da Pixar, como a cena em que Alberto se revela para Giulia e Luca, ao invés de apoiá-lo e diminuir o medo da garota, escolhe ficar “no armário” e age com preconceito contra Alberto. É um momento forte, que remete ao modo como muitas pessoas, movidas por medo, acabam reproduzindo contra seus iguais o mesmo preconceito que ouvem daqueles que os odeiam. O desfecho, apesar de uma mensagem positiva de aceitação, ainda tem o cuidado de não romantizar demais o mundo em que vivemos, reconhecendo que algumas pessoas sempre terão preconceito contra quem é diferente e precisamos escolher quem temos ao nosso redor.

Construindo metáforas inteligentes sobre autoaceitação, Luca nunca aproveita plenamente o potencial de suas ideias, preferindo uma estrutura relativamente derivativa em seu miolo, algo que infelizmente vem se tornando comum nas produções da Pixar.

 

Nota: 6/10


Trailer

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