A série aborda o caso real do desaparecimento do garoto Evandro Caetano no interior do Paraná da década de 90. O corpo dele foi encontrado mutilado dias depois em um matagal próximo e as suspeitas é que tinham sido usado em um ritual de magia negra. O caso toma atenção da mídia, principalmente quando testemunhas apontam a família do então prefeito como envolvida no caso. Aos poucos, no entanto, surgem provas que a história não é aquilo que imaginávamos.
Estruturalmente a série segue o padrão de documentários de crimes reais que já vimos antes, com entrevistas, imagens de arquivo e reconstituições com atores. Ainda assim, a narrativa envolve pelo ritmo de tensão e suspense que Muritiba imprime nos eventos bem como pela própria natureza surpreendente e pouco usual dos eventos narrados, um daqueles casos em que a realidade se mostra mais bizarra que qualquer ficção.
Como o caso ocorreu há mais de vinte anos, a série recorre a cenas encenadas em alguns momentos para ilustrar os testemunhos sobre alguns momentos-chave do caso. Na maioria dos casos serve para tentar situar o espectador em algum evento específico, diferentes versões sobre uma ocorrência ou em uma série de acontecimentos em uma determinada linha temporal. Em geral funcionam para dar visualidade e dramaticidade a esses acontecimentos, no entanto, em alguns momentos, essas encenações tiram a força do presente dos testemunhos. Um exemplo é quando as mulheres da família Abagge relatam as torturas que sofreram nas mãos da polícia e ao invés de nos manter diante da dor presente e intensa dessas mulheres a narrativa nos mostra uma encenação que não tem como trazer o mesmo impacto.
Além das múltiplas reviravoltas, o que chama atenção é como o caso parece ser uma espécie de “tempestade perfeita” de vários problemas da sociedade brasileira e como falhas sociais e políticas que ficaram anos sem serem discutidas e culminam nos problemas do caso aqui apresentado. Tudo construído em cima da minuciosa pesquisa de Ivan Mizanzuk sobre o caso, embora a série não mostre o percurso investigativo do jornalista (imagino que o podcast faça isso) apenas os fatos coletados por ele.
A primeira coisa é o racismo e como religiões afro-brasileiras são demonizadas e tratadas como algo horrível e desumano, com um pai de santo recém chegado na cidade sendo rapidamente apontado como culpado e rituais afro são tratados como naturalmente malignos. A outra coisa é a prática de tortura pelas forças de policiamento, algo que foi normalizado durante a ditadura militar e que nós, enquanto sociedade, nunca confrontamos de fato e a prática permanece sendo utilizada ainda hoje produzindo resultados pouco confiáveis como no caso da série.
Vemos aqui também o papel do sensacionalismo midiático que se apressa a julgar excedendo o papel de apuração do jornalismo, condenando pessoas precipitadamente e gerando convulsão social, como os ataques às residências de alguns acusados, expondo e destruindo as vidas de pessoas inocentes no processo. O uso da polícia e do ministério público para fins políticos é outro problema recorrente, com autoridades do estado do Paraná constantemente interferindo no processo investigativo e judicial de modo a obter um resultado que seja o melhor para sua imagem e não necessariamente aquele que é verdadeiro.
A atuação seletiva da polícia é mostrada através de paralelismos entre a ação rápida das autoridades e do estado em investigar o caso Evandro, filho de dois funcionários da prefeitura da cidade, destacando esquadrões especiais e inúmeros recursos investigativos; com o descaso na investigação do caso similar de Leandro Bossi, filho de um pescador e uma camareira, que não gerou nem metade da mobilização policial. Essa “seletividade” deixa evidente como a polícia da maioria das cidades brasileiras age para proteger os interesses das classes mais favorecidas e não tem muito interesse em ajudar os mais pobres.
Com isso, a investigação do caso mostra como as várias forças envolvidas não tinham necessariamente a resolução do crime como prioridade, que causou em uma série de problemas que levou ao julgamento de pessoas provavelmente inocentes, enquanto outras bastante suspeitas não foram devidamente investigadas. Inclusive, o documentário aponta algumas condutas duvidosas de pessoas envolvidas com o caso, como o tio do Evandro, mas nunca investiga essas suspeitas, talvez por questões de responsabilidade jornalística e jurídica, já que não há inquéritos sobre essas pessoas e mirar nelas poderia incorrer nos mesmos excessos da cobertura original do caso.
O Caso Evandro envolve pelo mistério e pelas várias reviravoltas do
caso pesquisado, mostrando como muitos dos já conhecidos problemas sociais e políticos do Brasil continuam causando danos.
Nota: 8/10
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