sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Rapsódias Revisitadas – Hedwig: Rock, Amor e Traição

 

Análise Crítica – Hedwig: Rock, Amor e Traição

Review Crítica – Hedwig: Rock, Amor e Traição
Quando foi lançado em 2001 Hedwig: Rock, Amor e Traição não foi exatamente um sucesso de público, mas com o passar do tempo foi ganhando seguidores e foi alçado ao status de cult, com fãs lotando sessões a meia-noite vestidos como os personagens. A popularidade da produção escrita, dirigida e estrelada por John Cameron Mitchell aumentou ainda mais graças à série Sex Education que tem um episódio da primeira temporada com os personagens indo para uma sessão do filme fantasiados como os personagens. A adoração ao filme não é sem motivos, já que ele conta com ótimas canções, personagens insólitos, senso de humor e um verdadeiro espírito punk.

A trama acompanha Hedwig (John Cameron Mitchell), cantora transgênero nascida na Alemanha Oriental e vocalista de uma banda de punk rock que está em turnê nos Estados Unidos. Em seus shows ela fala sobre sua trajetória e sobre o antigo amante que roubou suas músicas e agora faz sucesso como Tommy Gnosis (Michael Pitt).

É uma trajetória de autodescoberta e aceitação narrada da maneira mais estranha possível considerando as figuras pitorescas com as quais a protagonista se encontra em sua jornada, a exemplo da cena em que ela flerta com um soldado estadunidense e tudo descamba para uma conversa sobre ursinhos de goma e outros doces. Essa excentricidade está ainda mais presente nos números musicais, como na canção sobre a origem no amor que é intercalada por uma animação que mostra os deuses e seres de duas cabeças e múltiplos gêneros dando origem ao masculino e feminino tal como conhecemos hoje.

Esses números musicais também tem uma boa dose de humor que emerge do contraste entre a intensa energia de Hedwig e sua banda e o desinteresse ou assombro do público dos locais em que ela canta. Afinal, a maioria dos shows não são em arenas ou estádios, mas em restaurantes fuleiros nos quais o público idoso e/ou caipira se mostra indiferente às exóticas baladas de punk rock da protagonista, continuando a comer mesmo quando ela sai caminhando pelas mesas ou se esfrega nos clientes. Apesar da indiferença do público na narrativa, as músicas são divertidíssimas e ficam na cabeça muito tempo depois que o filme acaba.

A mescla entre a filosofia punk e a jornada de aceitação da personagem por uma identidade que não seja heteronormativa é uma mistura inteligente, afinal o movimento punk fala sobre a não conformidade com os padrões ou injustiças e o questionamento de regras ou figuras de autoridade que existem apenas para oprimir as pessoas. Nesse sentido o filme clama o punk como um espaço legítimo de manifestação de questões LGBTQIA+ e lembra que é também um lugar de respeito e promoção das diversidades ou de questionamentos quanto aos tabus de heteronormatividade de nossa sociedade. O diretor John Cameron Mitchell posteriormente retornaria a essas ideias sobre o punk em Como Falar com Garotas em Festas (2017).

O desenvolvimento da trama, no entanto, acaba sendo um pouco repetitivo, já que praticamente todas as cenas tem a mesma estrutura, com Hedwig e sua banda chegando a um novo local tosco para fazer show, Hedwig contando um pouco de sua história que é mostrada através de flashbacks e depois cantando uma canção que sintetiza seus sentimentos em relação ao que ela acabou de narrar. Considerando o espírito punk de não conformidade da personagem, da música e da estética visual, é curioso que narrativamente ele se conforme em repetir a mesma estrutura dramatúrgica ao longo de praticamente toda a projeção. Como Mitchell está adaptando aqui o musical teatral homônimo feito por ele, é possível que essa estrutura já estivesse presente no teatro, mas nem tudo que funciona bem em um meio é passível de ser bem transposto para outro.

Isso, no entanto, não apaga os méritos da obra, fazendo Hedwig: Rock, Amor e Traição uma enérgica e excêntrica ópera punk sobre diversidade.


Trailer

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