quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Crítica – Abe

 

Análise Crítica – Abe

Review – Abe

Estrelado pelo Noah Schnapp de Stranger Things e dirigido pelo brasileiro Fernando Grostein, Abe é uma típica história de amadurecimento e um jovem tentando encontrar seu lugar no mundo. É também um filme que almeja tratar de conflitos entre povos e resolução de diferenças, mas não se sai muito bem nisso.

Filho de um pai palestino e uma mãe judia, Abe (Noah Schnapp) parece desagradar os vários lados de sua família a cada decisão que toma. Se ele se aproxima de algum dos avós, os outros acham que está errado. Se ele pensa em ser muçulmano ou judeu, o pai de Abe, que é ateu, acha que ele está errado. Solitário, sem amigos e sob constante pressão da família que briga o tempo todo, Abe se refugia na culinária e na ideia de fusão gastronômica como um meio de harmonizar diferentes identidades. Para aprender sobre isso, Abe se aproxima de Chico (Seu Jorge), um chef brasileiro que se especializa nesse tipo de gastronomia.

O longa acerta ao falar do valor cultural e social da gastronomia. Comer não é apenas uma necessidade física, é um meio de expressão, onde exibimos nossa cultura, onde nos integramos a nossas comunidades. É também uma maneira de reunir pessoas, de mostrar nosso afeto e cuidado com aqueles que nos cercam. Como todo filme sobre comida, temos imagens suntuosas de pratos criativos que nos deixam com água na boca (menos o acarajé gourmetizado que Chico dá a Abe no início do filme, como baiano me senti ofendido por aquilo sequer ter sido chamado de acarajé).

Por outro lado, ao trata sobre os conflitos entre israelenses e palestinos, o filme se apoia em simplificações problemáticas, chavões batidos e falácias antiquadas. Os diálogos repetem à exaustão a ideia de que basta sentar e conversar que todo o problema seria resolvido. A questão é que isso pode ser possível quando se trata de indivíduos, mas não é tão simples quando generalizamos em relação a populações inteiras. A ideia de que se todos se comportassem seguindo lógica ou razão não teríamos problemas de convivência é falaciosa por ignorar que emoções fazem parte da conduta humana e todos temos necessidades afetivas a serem atendidas, é um ideal perigosamente ingênuo.

Do mesmo modo a constante fala do pai de Abe que os problemas da sociedade vem da religião, aderindo a um ateísmo radical, é uma falácia antiga e facilmente desmontada (South Park fez isso muito bem na trilogia Go God Go), já que mesmo sem religiões as pessoas encontraria outra desculpa para se detestarem. Ao longo da história conhecimentos pseudocientíficos como a frenologia já foram usados para racionalizar e dar um viés científico à discriminação racial e ao discurso de intolerância.

Outro problema é a figura de Chico, que funciona quase que completamente como o clichê do personagem negro cuja única função é servir aos brancos. Chico não tem qualquer arco, qualquer motivação, qualquer conflito ou qualquer ação na trama que não seja a de ajudar o garoto branco estadunidense que bate na porta dele. Todas as cenas de Chico giram em torno dele ter alguma lição de moral a dar para Abe. Quase como uma versão não mágica do Tio Remus de A Canção do Sul (1946), Chico existe na história apenas para ajudar o branco a progredir. Incomoda também que o filme use um personagem brasileiro como uma espécie de autoridade sobre fusão cultural partindo do pressuposto de que o Brasil, enquanto um país miscigenado aceitou plenamente essa mistura e convive com isso harmonicamente, quando sabemos que estamos muito longe de ser um país igualitário e sem discriminação.

Claro, Seu Jorge é um ator carismático, trazendo humor e leveza ao personagem que dão a ele um calor humano que acaba elevando o chef para além do conjunto de clichês que o texto faz dele. Seu Jorge inclusive tem uma boa química com Noah Schnapp, construindo uma aproximação sincera entre os dois personagens. Já Schnapp convoca muito bem o conflito interno de Abe, perdido quanto à sua identidade, tentando viver em vários mundos ao mesmo tempo, agradar a todos os familiares e diminuir os conflitos entre eles. O filme funciona melhor quando se foca na jornada de Abe para forjar uma identidade própria, mais restrito ao microcosmo do personagem, do que quando tenta ponderar questões maiores sobre conflitos milenares, política ou religião.

Abe consegue criar uma boa jornada emocional para seu protagonista, mas não dá conta de tratar dos temas de miscigenação ou conflitos entre povos, recorrendo a uma série de frases de efeito superficiais e algumas construções problemáticas sobre o tema.

 

Nota: 5/10


Trailer

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