A trama acompanha Allison (Annie Murphy), a esposa do aparvalhado Kevin (Eric Petersen), que sempre arranja confusão e cria esquemas ridículos que obrigam Allison a lidar com as constantes idiotices do marido. A gota d’água chega quando Allison vê a chance de finalmente comprar sua casa dos sonhos, mas descobre que Kevin torrou todas as economias do casal. Sabendo não seria possível simplesmente se divorciar de Kevin por causa da imaturidade possessiva dele, Allison decide tomar o controle de sua vida de alguma maneira.
Há uma clara mudança de regime estético sempre que Kevin entra em cena. Nesses momentos toda a produção assume um estilo de sitcom multicâmera, com o cenário sempre filmado de frente, sem muitos movimentos de câmera, uma paleta de cores com a predominância de tons quentes e em alta saturação e uma trilha de risos pré gravados. Quando Kevin está ausente e seguimos Allison, a estética muda para a de um ficção seriada de câmera única, sem a trilha de risos, com cores mais frias e a câmera mais móvel pelos cenários, uma abordagem mais realista e menos idílica do que os segmentos de sitcom.
O contraste entre um regime e outro ajuda a demonstrar como todas as ações daquele personagem que os segmentos de sitcom enquadram como um “adorável idiota” é, na verdade, um sujeito insuportável de viver, cujo egocentrismo infantil e falta de consequência para suas ações cria problemas para as pessoas ao seu redor, notadamente Allison. Quando Kevin está em cena, tudo é colorido, lúdico e tem uma cara excessivamente encenada, como se tudo fosse um teatro cômico e ele o protagonista, mas quando Allison se afasta dele, a realidade assenta e podemos perceber as consequências da constante estupidez tóxica de Kevin. Nesse sentido, a série repensa como esse arquétipo de personagem seria, na prática, um sujeito nocivo, imaturo e retrógrado que em nada serve como uma exaltação cômica do típico sujeito de classe média, mas um modelo de conduta masculina a ser rejeitado.
De maneira semelhante, o material também pensa no lugar da mulher nesse tipo de produto, sempre alvo da piada e de ridicularização, mesmo quando tenta seguir o que o protagonista faz. Isso é exemplificado na vizinha Patty (Mary Hollis Imboden), que faz parte da turma de Kevin, sempre o ajuda em todos os esquemas pela vontade se ser considera “uma dos rapazes”, mas é tratada a todo momento como alguém inferior e menos importante da turma. Para tentar ser aceita, Patty faz constantes comentários maldosos a respeito de Allison, mostrando como esse tipo de comédia machista também estimula a noção de rivalidade feminina, construindo mulheres como megeras maldosas incapazes de cooperarem.
Como que autoconscientes de que estão presas nesse tipo de narrativa, Allison e Patty vão aos poucos se tornando amigas e compreendendo que só conseguirão prosperar se saírem da órbita tóxica de Kevin. O arco das personagens é entender que elas não são inimigas e sim as estruturas machistas que tentam a todo momento colocá-las em oposição, por isso é tão significativo quando elas se juntam e dão as mãos ao final da temporada.
Por outro lado, a trama acaba se alongando demais nos segmentos envolvendo Kevin. São cenas propositalmente sem graça, feitas para ilustrar a preguiça criativa, os preconceitos e estereótipos reforçados por esse tipo de comédia, a questão é que depois de um tempo isso é perfeitamente compreendido e esses segmentos se tornam redundantes. Como alguns personagens, a exemplo de Neil (Alex Bonifer), só aparecem nesses momentos de sitcom, isso acaba suavizando demais o lado tóxico desses personagens e faz algumas guinadas, como a conduta violenta de Neil no episódio final, não soarem devidamente construídas.
Ainda assim, Kevin Can F**k Himself revisa com inteligência os arquétipos e
dispositivos ideológicos que operam em uma típica sitcom, mostrando como elas
reforçam um comportamento masculino anacrônico.
Nota: 9/10
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