segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Crítica – Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

 

Análise Crítica – Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

Review – Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
Confesso que não sabia muito o que esperar deste Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, não conhecia muito do personagem nos quadrinhos e temia que essa fosse ser mais uma história de origem “padrão Marvel” no estilo do primeiro Homem-Formiga (2015) ou Capitã Marvel (2019). O resultado final da aventura introdutória de Shang-Chi, no entanto, é bem divertida e constrói uma identidade própria para si ao mesmo tempo que a situa em meio aos eventos do universo Marvel.

Na trama, Shang-Chi (Simu Liu) vive há dez anos nos Estados Unidos depois de ter fugido do pai, Wenwu (Tony Leung), que controla o sindicato criminoso conhecido como Os Dez Anéis (que vinham aparecendo desde o primeiro Homem de Ferro) com seus anéis de poder que fornecem vida eterna e incríveis poderes. Shang vive uma vida descompromissada ao lado da amiga Katy (Awkwafina), até que são atacados pelos capangas de Wenwu que buscam o pingente do herói que pode conter a localização para a mágica vila de Ta Lo. Assim, Shang-Chi e Katy tem que correr contra o tempo para encontrar Ta Lo antes de Wenwu.

Simu Liu e Awkwafina tem uma ótima química junto e conseguem trazer um humor bem natural à dinâmica entre Shang-Chi e Katy. Awkwafina acaba servindo como o olhar de uma pessoa comum para todo esse universo de mágica e objetos alienígenas. A personagem, no entanto, nunca é reduzida a um mero alívio cômico, ajudando o protagonista como motorista de fuga e em outras situações. Mesmo não sendo uma combatente, ela consegue sempre se envolver na ação.

O cerne do filme está na complicada relação entre o protagonista e o pai. Nesse sentido Wenwu é um dos melhores antagonistas dos filmes da Marvel (não diria que ele é exatamente um vilão). Sim, Wenwu é um líder criminal cruel e implacável, mas o personagem também é marcado por um desejo genuíno de mudança interrompido por uma tragédia pessoal (e pelas consequências de seu passado) que o jogam de volta para sua vida de violência. Ainda assim, ele é um sujeito mais movido por não aceitar a perda da esposa do que pelo desejo de obter poder para algum esquema vago de dominação global. Nesse sentido, Tony Leung é excelente em nos apresentar ambas facetas de Wenwu, trazendo imponência nos momentos de crueldade ou ternura e afeto nos momentos com a esposa. Um olhar de alguém marcado por um desejo afetivo e tragédia que remete aos trabalhos de Leung com Wong Kar-Wai como Amor à Flor da Pele (2000) ou 2046: Os Segredos do Amor (2004).

A trama é hábil em delinear a complicada dinâmica familiar que envolve Wenwu e os dois filhos, Shang-Chi e Xialing (Meng’er Zhan), com uma história que serve como metáfora para o fato de que filhos nem sempre correspondem às expectativas dos pais. É também uma metáfora para os conflitos geracionais entre imigrantes e seus filhos, que crescem divididos entre dois mundos e experimentam conflitos em aceitar para si (e fazer os pais entenderem) a natureza dual que compõe sua personalidade. É por isso que ao final Shang-Chi precisa usar simultaneamente aquilo que aprendeu da mãe em conjunto com as técnicas do pai, simbolizando que o protagonista encontrou harmonia e aceitou ser um produto de uma origem dual.

As cenas de ação são muito bem construídas, com planos amplos e poucos cortes, contribuindo para mostrar a complexidade das coreografias de luta e a agilidade desses personagens, sabendo também dosar o uso da computação gráfica e momentos de câmera lenta. É o tipo de cena de luta que remete a produções orientais e aos chamados wuxia, com lutas cheias de habilidades sobre-humanas ainda que calcadas em artes marciais reais. O filme já exibe suas referências de cara na cena em que Wenwu conhece a esposa e continua comprometido em criar embates que envolvem tanto pelo espetáculo visual quanto pelo drama pessoal envolvido nos personagens.

O investimento na ação se dá, além do encantamento que elas promovem, por estarmos investidos nos conflitos de cada personagem. Sabemos que Wenwu está errado e seus métodos são cruéis, mas entendemos a dor e desamparo que movem suas ações. Do mesmo modo sabemos que Shang-Chi está correto querer deter o pai, ainda que percebemos o afeto que ele nutre por ele. Desta maneira, temos aqui embates dotados de alguma complexidade dramática e não apenas um “cara do bem batendo em um cara do mal”. É uma pena, no entanto, que em meio a tantas camadas de sentimentos o filme decida inserir uma batalha gratuita contra um monstrengo digital genérico durante o clímax só porque o gênero requer esse tipo de coisa. Seria melhor se o confronto climático fosse centrado em Shang-Chi e Wenwu.

É o tipo esperávamos ver na série do Punho de Ferro e que outros blockbusters que também evocam produções orientais, como o pavoroso G.I Joe Origens: Snake Eyes (2021), falharam miseravelmente em evocar. Aqui, no entanto, é possível perceber o respeito e reverência que o filme tem em relação à cultura e estética que evoca.

Com personagens carismáticos, um complicado conflito emocional entre eles e boas cenas de ação, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é uma ótima história de origem do universo Marvel que evita boa parte das armadilhas que o estúdio a criou para si.

 

Nota: 8/10


Trailer

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