quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Crítica – Deserto Particular

 

Análise Crítica – Deserto Particular

Review – Deserto Particular
O título Deserto Particular reflete bem o estado dos dois protagonistas. Ambos presos a uma vida solitária, incapazes de viverem plenamente e sem perspectiva ao redor. Dirigido por Aly Muritiba (que recentemente conduziu a série documental O Caso Evandro), o filme foi o escolhido para representar o Brasil no Oscar 2022 e é um estudo sensível sobre identidade e a necessidade de conexão afetiva.

Na trama, Pedro (Antonio Saboia) é um policial passando por uma crise, depois que um episódio de agressão põe sua carreira em risco. Enfrentando punições disciplinares, sem salário e cuidando do pai que tem Alzheimer, Pedro é bastante solitário. A única pessoa com quem ele parece ter uma conexão é Sara (Pedro Fasanaro), uma mulher do interior da Bahia com quem ele se relaciona por mensagens. Quando Sara deixa de responder, Pedro decide dirigir de Curitiba até Juazeiro para encontrá-la.

A trama demora um pouco de engrenar, se estendendo muito no início em mostrar as dificuldades de Pedro em cuidar do pai ou nas minúcias das consequências da agressão que ele cometeu, inclusive estabelecendo prazos para as etapas do processo administrativo. A questão é que muitos desses elementos não repercutem no restante do filme. Eu entendo que o caso de agressão está ali para mostrar o beco sem saída profissional de Pedro e eventualmente mostrar o alcance da homofobia dele, do mesmo modo que o pai está ali para mostrar as raízes da masculinidade tóxica do protagonista. Ainda assim, se eu parasse de assistir o filme em seus primeiros trinta minutos, teria uma impressão completamente equivocada sobre o que ele trata, dada a atenção constante sobre a agressão e o pai.

A narrativa só encontra verdadeiramente seu rumo quando Pedro encontra Sara e descobre a verdade sobre ela. A partir daí entendemos que é sobre essas duas pessoas se aceitarem plenamente como são e encontrarem um meio de viverem sem se reprimir. Da mesma forma que Pedro, Sara também é isolada e solitária, vivendo uma vida dupla e escondendo da avó e do restante da cidade como se sente de verdade. É uma personagem complexa, que tem um claro afeto pela avó apesar de saber que ela não a aceita como é e também sente um vínculo muito forte com sua cidade de origem mesmo sabendo que nunca poderá viver plenamente ali.

Pedro, por outro lado, reluta em aceitar o que sente por Sara após descobrir a verdade ao mesmo tempo em que passa a entender que sua conduta homofóbica violenta derivava do fato dele querer sufocar em si mesmo (e não apenas no alvo de sua agressão) aquilo que sentia. Por isso é tão simbólica a cena em que ele quebra o gesso do braço, como que para remover de si as marcas de sua violência preconceituosa para tentar seguir adiante com a vida.

Nesse sentido há uma delicadeza no modo como a trama constrói a progressão do relacionamento entre Pedro e Sara, como ambos lidam com seus problemas e inseguranças até eventualmente concretizarem o que sentem um pelo outro. O desfecho é agridoce ao dar aos personagens a liberdade para recomeçarem sabendo exatamente quem são ao mesmo tempo que os coloca em direções distintas, como se reconhecesse que eles devem, antes de qualquer coisa, trilhar seus próprios caminhos na identidade desejada. Tudo isso é reforçado ainda pelo uso da canção Total Eclipse of the Heart, que dá com precisão a medida desse afeto arrebatador, que mudou as estruturas desses dois personagens, mas que precisam seguir em frente e recomeçar.

Deserto Particular demora para encontrar seu foco, mas é um sensível estudo de personagem sobre se libertar daquilo que nos impede de viver plenamente como somos.

 

Nota: 7/10


Trailer

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