A produção
Sonnenfeld foi abordado pelo produtor Scott Rudin depois que nomes como Terry Gilliam e Tim Burton recusaram o projeto. Sonnenfeld leu o roteiro e não gostou, achou que tinha um humor muito próximo da série da década de 1960 e pouco dos cartuns de Charles Addams e argumentou com Rudin que o roteiro era ruim. Rudin aceitou as críticas como mais uma razão para Sonnenfeld aceitar o projeto, já que ele entendia bem os personagens e a produtora Orion aceitou a indicação de Sonnenfeld por confiar em Rudin.
Desde o início, Sonnenfeld não queria simplesmente reunir nomes famosos no elenco e sim os atores que ele considerava ideais para os personagens. Angelica Huston e Christopher Lloyd foram os primeiros contratados como Morticia e tio Fester (estou usando os nomes como constam nas legendas e dublagem do filme) respectivamente. Christina Ricci, que na época era uma atriz mirim em ascensão por conta de seu trabalho ao lado de Cher em Minha Mãe é uma Sereia (1990), foi escalada como Wednesday. Para o patriarca da família, Gomez, Sonnenfeld tinha apenas um nome em mente, o astro de Broadway e também de cinema Raul Julia, que aceitou entrar no projeto.
Em uma matéria recente do Hollywood Reporter sobre o aniversário do filme, Sonnenfeld conta que o elenco principal era bastante unido e tinha feito uma escolha pouco usual como porta-voz do grupo toda vez que tinham alguma discordância: cabia à jovem Christina Ricci argumentar com o diretor em favor do elenco. Uma dessas instâncias foi a recusa do elenco em aceitar o final original, no qual era revelado que o personagem de Christopher Lloyd não era o verdadeiro Fester, mas ainda assim os Addams escolhiam acolhê-lo como tal. O elenco achava que precisaria ser o verdadeiro Fester para que o desfecho funcionasse e, segundo reconta Sonnenfeld, enviaram Christina para argumentar isso com ele, com a jovem atriz convencendo o diretor a reconsiderar o final.
Se a relação com o elenco era tranquila, o mesmo não podia ser dito da relação de Sonnenfeld com o estúdio. No meio da produção a Paramount comprou o projeto da Orion, mas Frank Mancuso, o responsável pela aquisição, deixou o estúdio no mesmo dia. A chefia da Paramount foi assumida por Stanley Jaffe, que começou a olhar os copiões diários (o material bruto entregue ao final de um dia de filmagem) e não gostara do que vira. Como tinha recebido o filme no meio da produção, assistindo cenas sem contexto e sem entender a visão de Sonnenfeld, para Jaffe nada ali fazia sentido e o filme não tinha como encontrar sucesso. Isso só fez o estúdio aumentar a pressão sobre Sonnenfeld, um diretor de primeira viagem que já estava atrasado no cronograma de produção e estourando o orçamento. O diretor narra que Scott Rudin também era bastante hostil no set. Rudin, por sinal, se afastou recentemente de Hollywood depois de múltiplas denúncias de abusos físicos e psicológicos cometidos contra funcionários.
Apesar de todos os problemas, o filme estreou em 22 de novembro de 1991 com uma bilheteria que era o dobro do que o estúdio tinha projetado. O sucesso motivou uma continuação em 1993 que não obteve o mesmo sucesso financeiro apesar de bem recebida. Sonnenfeld engatou o sucesso desses dois filmes com MIB: Homens de Preto (1997).
O filme
Bem, acho que já falei bastante sobre os bastidores e é hora de falar mais sobre o filme em si. A trama acompanha uma família Addams marcada pelo desaparecimento do tio Fester há 25 anos atrás, sem saber se ele está vivo ou morto. A situação muda quando o advogado da família encontra um homem que é idêntico à Fester e pede para que ele se passe pelo parente perdido de modo a descobrir o cofre dos Addams e roubar a fortuna deles. Aos poucos, Gomez e os demais começam a desconfiar do recém chegado Fester que, por sua vez, se sente cada vez melhor convivendo com aquela estranha família.
A condução de Sonnenfeld consegue dar à mansão dos Addams e tudo que existe ao redor deles um clima macabro sem, no entanto, soar sombrio ou sinistro demais para alienar um público mais jovem. O texto consegue combinar bem um senso de estranhamento e bizarrice com bastante humor e tiradas afiadas, principalmente as respostas secas de Wednesday. Boa parte da comédia emerge das interações dos Addams com pessoas “normais” e o choque desses indivíduos com as excentricidades dos protagonistas. O alvo do ridículo, porém, nunca são os Addams e sim justamente os “normais” que não entendem que não é preciso se conformar a determinados padrões para ser feliz.
O elenco é tão bom que chega a ser compreensível porque nunca fizeram outro filme live-action dos Addams para os cinemas (houve um filme direto para vídeo que não é grande coisa e os recentes longas são animações). Raul Julia é perfeito como Gomez, trazendo a intensidade enérgica do patriarca para tudo que faz, seja seu intenso amor por Mortícia, nas peças que ele gosta de pregar em Fester ou em seus números de dança. É um personagem que transborda uma desmedida alegria de viver, que encontra júbilo em cada elemento da vida. Já Angelica Huston consegue dar um ar misterioso a Mortícia que consegue fazer a personagem soar simultaneamente sinistra e sensual, além de ter uma excelente química com Raul Julia, convencendo da paixão arrebatadora dos dois personagens.
Christopher Lloyd acerta nos trejeitos esquisitos de Fester enquanto Christina Ricci é ótima em evocar a frieza e os modos diretos de Wednesday. Mesmo coadjuvantes que aparecem pouco como o primo It conseguem momentos divertidos que exploram a excentricidade desses personagens. Ainda assim, o filme tem sua parcela de fragilidades, com uma estrutura narrativa que soa episódica em muitos momentos e cenas que parecem mais esquetes soltos, como o recital na escola de Wednesday e Pugsley (Jimmy Workman), do que elementos integrados à narrativa e que movem a trama para frente. Claro, mesmo essas cenas mais desconectadas dos principais fios narrativos conseguem ser bastante divertidas e por isso essa estrutura mais solta acaba não incomodando tanto.
Com uma direção que consegue
captar a excentricidade de seu universo, um texto que entende o que torna esses
personagens especiais e um elenco que encarna de maneira precisa as
personalidades de cada membro da família, é fácil entender o porquê de A Família Addams permanecer tão marcante
na memória mesmo depois de trinta anos de seu lançamento.
Trailer
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