segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Rapsódias Revisitadas – A Família Addams

 

Crítica – A Família Addams

Review Crítica – A Família Addams (1991)
Lançado em 1991, A Família Addams não teve um percurso fácil até o lançamento. Os personagens criados por Charles Addams para uma tirinha de quadrinhos tinham encontrado sucesso em uma série de televisão na década de 60, mas não tinham aparecido na mídia por décadas. Barry Sonnenfeld, que até então nunca tinha dirigido nenhum filme, mas tinha ampla experiência como diretor de fotografia, tendo trabalhado em produções como Arizona Nunca Mais (1987), Harry & Sally: Feitos um Para o Outro (1989) ou Louca Obsessão (1990).

A produção

Sonnenfeld foi abordado pelo produtor Scott Rudin depois que nomes como Terry Gilliam e Tim Burton recusaram o projeto. Sonnenfeld leu o roteiro e não gostou, achou que tinha um humor muito próximo da série da década de 1960 e pouco dos cartuns de Charles Addams e argumentou com Rudin que o roteiro era ruim. Rudin aceitou as críticas como mais uma razão para Sonnenfeld aceitar o projeto, já que ele entendia bem os personagens e a produtora Orion aceitou a indicação de Sonnenfeld por confiar em Rudin.

Desde o início, Sonnenfeld não queria simplesmente reunir nomes famosos no elenco e sim os atores que ele considerava ideais para os personagens. Angelica Huston e Christopher Lloyd foram os primeiros contratados como Morticia e tio Fester (estou usando os nomes como constam nas legendas e dublagem do filme) respectivamente. Christina Ricci, que na época era uma atriz mirim em ascensão por conta de seu trabalho ao lado de Cher em Minha Mãe é uma Sereia (1990), foi escalada como Wednesday. Para o patriarca da família, Gomez, Sonnenfeld tinha apenas um nome em mente, o astro de Broadway e também de cinema Raul Julia, que aceitou entrar no projeto.

Em uma matéria recente do Hollywood Reporter sobre o aniversário do filme, Sonnenfeld conta que o elenco principal era bastante unido e tinha feito uma escolha pouco usual como porta-voz do grupo toda vez que tinham alguma discordância: cabia à jovem Christina Ricci argumentar com o diretor em favor do elenco. Uma dessas instâncias foi a recusa do elenco em aceitar o final original, no qual era revelado que o personagem de Christopher Lloyd não era o verdadeiro Fester, mas ainda assim os Addams escolhiam acolhê-lo como tal. O elenco achava que precisaria ser o verdadeiro Fester para que o desfecho funcionasse e, segundo reconta Sonnenfeld, enviaram Christina para argumentar isso com ele, com a jovem atriz convencendo o diretor a reconsiderar o final.

Se a relação com o elenco era tranquila, o mesmo não podia ser dito da relação de Sonnenfeld com o estúdio. No meio da produção a Paramount comprou o projeto da Orion, mas Frank Mancuso, o responsável pela aquisição, deixou o estúdio no mesmo dia. A chefia da Paramount foi assumida por Stanley Jaffe, que começou a olhar os copiões diários (o material bruto entregue ao final de um dia de filmagem) e não gostara do que vira. Como tinha recebido o filme no meio da produção, assistindo cenas sem contexto e sem entender a visão de Sonnenfeld, para Jaffe nada ali fazia sentido e o filme não tinha como encontrar sucesso. Isso só fez o estúdio aumentar a pressão sobre Sonnenfeld, um diretor de primeira viagem que já estava atrasado no cronograma de produção e estourando o orçamento. O diretor narra que Scott Rudin também era bastante hostil no set. Rudin, por sinal, se afastou recentemente de Hollywood depois de múltiplas denúncias de abusos físicos e psicológicos cometidos contra funcionários.

Apesar de todos os problemas, o filme estreou em 22 de novembro de 1991 com uma bilheteria que era o dobro do que o estúdio tinha projetado. O sucesso motivou uma continuação em 1993 que não obteve o mesmo sucesso financeiro apesar de bem recebida. Sonnenfeld engatou o sucesso desses dois filmes com MIB: Homens de Preto (1997).

O filme

Bem, acho que já falei bastante sobre os bastidores e é hora de falar mais sobre o filme em si. A trama acompanha uma família Addams marcada pelo desaparecimento do tio Fester há 25 anos atrás, sem saber se ele está vivo ou morto. A situação muda quando o advogado da família encontra um homem que é idêntico à Fester e pede para que ele se passe pelo parente perdido de modo a descobrir o cofre dos Addams e roubar a fortuna deles. Aos poucos, Gomez e os demais começam a desconfiar do recém chegado Fester que, por sua vez, se sente cada vez melhor convivendo com aquela estranha família.

A condução de Sonnenfeld consegue dar à mansão dos Addams e tudo que existe ao redor deles um clima macabro sem, no entanto, soar sombrio ou sinistro demais para alienar um público mais jovem. O texto consegue combinar bem um senso de estranhamento e bizarrice com bastante humor e tiradas afiadas, principalmente as respostas secas de Wednesday. Boa parte da comédia emerge das interações dos Addams com pessoas “normais” e o choque desses indivíduos com as excentricidades dos protagonistas. O alvo do ridículo, porém, nunca são os Addams e sim justamente os “normais” que não entendem que não é preciso se conformar a determinados padrões para ser feliz.

O elenco é tão bom que chega a ser compreensível porque nunca fizeram outro filme live-action dos Addams para os cinemas (houve um filme direto para vídeo que não é grande coisa e os recentes longas são animações). Raul Julia é perfeito como Gomez, trazendo a intensidade enérgica do patriarca para tudo que faz, seja seu intenso amor por Mortícia, nas peças que ele gosta de pregar em Fester ou em seus números de dança. É um personagem que transborda uma desmedida alegria de viver, que encontra júbilo em cada elemento da vida. Já Angelica Huston consegue dar um ar misterioso a Mortícia que consegue fazer a personagem soar simultaneamente sinistra e sensual, além de ter uma excelente química com Raul Julia, convencendo da paixão arrebatadora dos dois personagens.

Christopher Lloyd acerta nos trejeitos esquisitos de Fester enquanto Christina Ricci é ótima em evocar a frieza e os modos diretos de Wednesday. Mesmo coadjuvantes que aparecem pouco como o primo It conseguem momentos divertidos que exploram a excentricidade desses personagens. Ainda assim, o filme tem sua parcela de fragilidades, com uma estrutura narrativa que soa episódica em muitos momentos e cenas que parecem mais esquetes soltos, como o recital na escola de Wednesday e Pugsley (Jimmy Workman), do que elementos integrados à narrativa e que movem a trama para frente. Claro, mesmo essas cenas mais desconectadas dos principais fios narrativos conseguem ser bastante divertidas e por isso essa estrutura mais solta acaba não incomodando tanto.

Com uma direção que consegue captar a excentricidade de seu universo, um texto que entende o que torna esses personagens especiais e um elenco que encarna de maneira precisa as personalidades de cada membro da família, é fácil entender o porquê de A Família Addams permanecer tão marcante na memória mesmo depois de trinta anos de seu lançamento.


Trailer

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