Tendo visto o filme, posso dizer que alguns dos meus temores estavam equivocados, enquanto outros se confirmaram. A primeira coisa é que esses personagens de outrora não estão ali apenas por um nostalgismo rasteiro, a presença deles aqui tem muito a dizer sobre a jornada de Peter Parker (Tom Holland), o que está no cerne do Homem-Aranha e qual é a essência do heroísmo. Todo mundo meio que concorda que um herói é aquele que faz o bem, no entanto, a ideia de qual bem é esse que um herói faz pode variar. Ao colocar o atual Peter diante da encruzilhada de enviar antigos vilões para a morte certa, a trama nos lembra que um herói é alguém que, acima de tudo, salva pessoas, mesmo vilões. A noção de Peter se arriscar por indivíduos que querem matá-lo também dialoga com os temas de poder e responsabilidade que sempre acompanharam o personagem.
Ao longo de cerca de duas horas e meia, o filme tenta equilibrar uma série de elementos. Algumas coisas funcionam muito bem, com batidas emocionais que acertam no alvo, empolgando, emocionando (explicar demais seria dar spoiler) e tornando compreensível a comoção do público em torno do filme. Por outro lado também há uma série de elementos que não funcionam, principalmente os eventos que dão início à trama.
A implicação de Peter na morte do Mysterio (Jake Gyllenhaal) é resolvida fora de cena de maneira muito rápida e fácil. Qual era exatamente a motivação dos aliados de Mysterio em divulgar a informação? No filme anterior o vilão voluntariamente deixava os drones aparecerem indicando que havia um plano em curso para o caso do fracasso dele, mas tirando o vídeo que expõe Peter, não parece haver plano algum aqui. Ganchos deixados por outros filmes, como a conversa do Abutre (Michael Keaton) com Mac Gargan (Michael Mando) no final do primeiro filme também são completamente esquecidos.
Entre os vilões que retornam, Alfred Molina e Willem Dafoe roubam a cena como o Dr. Octopus e Duende Verde respectivamente. Além de ser um testemunho da qualidade dos dois atores e da construção desses personagens nos filmes do Sam Raimi, eles também funcionam em relação ao Peter de Tom Holland, testando a moralidade e limites do herói. Dafoe está particularmente sinistro como o Duende, sendo aquele tipo de vilão que dá gosto de temer e odiar. Outros antagonistas são prejudicados por estarem quase sempre ocultos sob computação gráfica, como é o caso do Homem Areia de Thomas Haden Church ou o Lagarto de Rhys Ifans. A presença de Electro (Jamie Foxx) contradiz a própria lógica que o roteiro estabelece para o retorno desses vilões, já que Electro não sabia a identidade do Peter do universo dele em O Espetacular Homem-Aranha 2 (2014).
Aliás, o modo como a Marvel se apoia demais em computação gráfica às vezes atrapalha. É interessante perceber como os tentáculos do Dr. Octopus soam mais artificiais aqui, feitos inteiramente em CGI, do que em Homem Aranha 2 (2004), um filme de quase duas décadas, quando eram animatrônicos. Em muitas tomadas, como na luta final, fica muito evidente que os atores estão sozinhos diante de um fundo verde e as vezes até em cenas internas há esse incômodo de que tudo é artificial demais. Claro, existem momentos em que a computação gráfica é bem utilizada, como em toda a sequência lisérgica do Aranha com o Dr. Estranho na dimensão espelho, o que apenas ressalta as instâncias em que os efeitos soam artificiais.
Por mais que haja força emocional na jornada de Peter ao longo do filme, não há como contornar o fato de que, no fim das contas, estamos diante de um retcon. Assim, quando muito do personagem é “resetado” ao final, não dá pra deixar de sentir um gosto ruim na boca de que tudo que assistimos neste e nos dois filmes anteriores não vai ter mais impacto, como se tivéssemos perdido tempo com fanfics de luxo. Não importa o quanto de nostalgia ou celebração do legado do personagem o filme traga, não dá para disfarçar o fato de que tudo foi um conveniente dispositivo dramatúrgico para “zerar” a cronologia e recomeçar do zero.
Desta maneira, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa funciona
bem para celebrar o legado do herói no cinema, mas não consegue contornar
o incômodo de ser um mero dispositivo para retificar a cronologia do
personagem.
Nota: 7/10
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