segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Crítica – Identidade

 

Análise Crítica – Identidade

Review – Identidade
Há uma quantidade enorme de filmes que usam fotografia em preto e branco ou uma taxa de aspecto 4:3 para parecerem mais “artísticos” ou meramente referenciar o cinema de outrora. Na maioria dos casos é um floreio estilístico que pouco acrescenta ao produto final. Neste Identidade, no entanto, é essencial para a discussão sobre colorismo e identidade que o filme tenta construir.

Estreia da atriz Rebecca Hall como diretora, a trama adapta um romance de Nella Larsen, e acompanha Irene (Tessa Thompson), uma mulher negra na Nova Iorque de 1920. Um dia Irene reencontra uma amiga de infância, Clare (Ruth Negga), e descobre que ela vive se passando por branca, inclusive tendo casado com um homem branco fazendo ele acreditar que ela era branca.

O reencontro desperta emoções em ambas. De um lado Irene, que assim como Clare tem uma pele mais clara e conseguiria se passar como branca, se sente incomodada com a possibilidade de esconder quem é, embora se sinta atraída pelas facilidades e segurança de uma vida de branca. Por outro lado, Clare vê em Irene um refúgio, uma possibilidade de ser ela mesma integralmente sem precisar fingir ou temer ser descoberta.

Nesse sentido, a opção de Rebecca Hall em filmar em preto e branco ajuda a ilustrar como Irene ou Clare conseguiriam se passar por brancas, já que sob a luz adequadas, a pele delas parece tão clara quanto a de qualquer pessoa branca, enquanto que negros de pele retinta, como o marido de Irene, Brian (André Holland), sempre mantem um tom de pele escura independente da iluminação. Isso ajuda a tornar crível como a sociedade da época poderia ver aquelas mulheres como brancas, do mesmo modo que o aspecto 4:3 cria um mundo de fronteiras mais restritas, um mundo em que cada elemento era contido em uma caixa diminuta. A escolha mostra o senso de aprisionamento das personagens em suas respectivas vidas. Seja a de ser uma mulher negra nos machistas e racistas anos de 1920 como Irene, seja a farsa na qual Clare vive e precisa ter muito cuidado para manter.

Além do cuidadoso trabalho de Hall em pensar a fotografia, iluminação e movimento de câmera, o filme se sustenta também no trabalho das duas atrizes principais. Por trás de diálogos aparentemente banais sobre trivialidades cotidianas Thompson e Negga conseguem dizer muito com o tom de voz e com o olhar. É possível ver o desagravo que elas têm com a própria existência, ainda que cada uma à sua maneira. O que une ambas é o sentimento de que a maneira como vivem não é o bastante, as limita de uma determinada maneira e isso transparece nas relações com os outros. Brian, por exemplo, passa a apreciar a companhia de Clare, já que Clare, sem os temores que uma mulher negra teria, é muito mais expansiva e desinibida que Irene.

A questão do colorismo e como negros de pele mais clara são tratados pela sociedade de maneira diferente de negros retintos é algo delicado de se discutir. Nesse sentido, o filme nunca tenta grandes teses sobre a questão, preferindo focar nos dramas individuais das suas duas protagonistas e como o entrelugar que elas vivem (ou poderiam viver) as afeta. O final, porém, deixa evidente que uma negra de pele clara nunca será plenamente aceita pelas instâncias da branquitude que ainda detém o poder e fazem o que querem com os corpos negros sem sofrer consequência.

Com uma direção precisa e cheia de sensibilidade, Identidade é uma ótima estreia de Rebecca Hall como diretora, elevada ainda pelo trabalho de suas duas protagonistas.

 

Nota: 8/10


Trailer

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