A trama começa quando a estudante de doutorado Kate (Jennifer Lawrence) descobre um enorme cometa em rota de colisão com a Terra. Seu professor, o Dr. Mindy (Leonardo DiCaprio) confirma os cálculos e alerta as autoridades, já que se nada for feito, todos morreremos em seis meses. O problema é que as autoridades e a mídia não estão exatamente preocupadas em resolver o problema.
Se em filmes catástrofe típicos é a união da humanidade contra os desafios da natureza que leva ao triunfo, aqui a humanidade é uma calamidade maior do que a própria natureza. O mundo não acaba porque lidamos com uma ameaça além de nossa capacidade, o mundo acaba porque somos idiotas. O que é mostrado aqui poderia ser entendido como uma metáfora para o negacionismo científico relativo às mudanças climáticas ou à pandemia, o problema é que enquanto sátira falta um senso de imprevisibilidade e caos para que a subversão cômica acontece e falta substância para funcionar plenamente como drama.
As situações que o diretor Adam McKay coloca aqui parecem tiradas diretamente do nosso cotidiano e, nesse sentido, soam datadas enquanto piadas porque já sabemos onde tudo vai dar. Não há aqui a anarquia, a ironia fina de diálogos como “vocês não podem lutar aqui, essa é a sala de guerra!” contidos em Doutor Fantástico (1964) ou a imageria absurda de um sujeito cavalgando uma bomba nuclear rumo ao apocalipse. O olhar de McKay fica na superfície, na mera reprodução do absurdo cotidiano sem tentar criar algo além.
Em termos de crítica, é curioso que o filme basicamente culpe o fracasso da humanidade na sociedade do espetáculo em que vivemos. Uma sociedade na qual todo e qualquer problema é reduzido a entretenimento e vendido de volta ao público. No entanto, em momento algum McKay percebe que é exatamente isso que seu filme está fazendo. Ele pega nossas inquietações, transforma em um grande espetáculo de entretenimento e vende nossos medos e ansiedades de volta para nós de uma maneira pasteurizada. Se ao menos houvesse um olhar autofágico no qual assumisse as contradições de seu ato, como Sidney Lumet fez em Rede de Intrigas (1976), seria possível trazer mais consistência às críticas feitas aqui.
O olhar de McKay, porém, é o de alguém que acha que está salvando o mundo e não o de uma pessoa consciente de seu papel em uma grande engrenagem capitalista que, entre outras coisas, contribui para essa espetacularização do cotidiano e até para a divulgação de pseudociência fajuta. Afinal, não podemos esquecer que a Netflix faz séries documentais sobre a empresa de Gwyneth Paltrow exaltando os produtos desprovidos de comprovação científica vendidos pela empresa da atriz.
É curioso que justamente agora que se entregou a fazer comédias mais “sérias” McKay tenha perdido seu senso de ironia e sutileza que funcionava tão bem nas comédias besteirol em que dirigia Will Ferrell. Quase Irmãos (2008), um filme bem subestimado diga-se de passagem, exibia uma crítica cheia de subtextos à infantilização medíocre da sociedade estadunidense. Aqui, por outro lado, o texto de McKay grita o tempo todo na nossa cara sobre os temas que quer falar, como a cena pouco sutil em que um astro de cinema assume uma postura de “isentão” criticando a “polarização” a respeito do cometa.
Claro, é importante falar sobre as consequências palpáveis de não ouvirmos a ciência, de nos preocuparmos mais com forma do que com conteúdo. A questão é que havia aqui potencial para algo mais contundente do que meramente reproduzir situações que já vemos cotidianamente, sem entender como um produto como este também está imbricado no processo que ele mesmo critica.
Tudo bem que aqui e ali o filme tenha seus momentos de inspiração quando nos pega de surpresa, a exemplo da cena em que a missão de destruir o cometa é inesperadamente cancelada ou o destino final da presidente interpretada por Meryl Streep. Aliás, é na energia maluca do elenco que o filme evita se tornar entediante, seja no completo idiota do filho da presidente interpretado por Jonah Hill (que era para ser baseado nos filhos de Trump, mas nós, brasileiros, certamente enxergaremos os filhos de nosso presidente), seja o bilionário da tecnologia vivido por Mark Rylance. O ator rouba todas as cenas das quais participa ao mesclar em um único indivíduo Mark Zuckerberg, Steve Jobs, Jeff Bezos e Elon Musk.
Não Olhe Para Cima traz ideias importantes para pensarmos a nossa
sociedade, mas conduz tudo por caminhos óbvios que se limitam a reproduzir o
cotidiano e não entende as contradições que carrega consigo.
Nota: 6/10
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