sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Crítica – King Richard: Criando Campeãs

 

Análise Crítica – King Richard: Criando Campeãs

Review – King Richard: Criando Campeãs

Confesso que achei estranha a ideia de contar a trajetória das irmãs Venus e Serena Williams a partir do ponto de vista do pai delas. Considerando o quanto se fala em trazer um olhar feminino para o cinema e contar histórias sobre mulheres, é meio esquisito que no momento em que Hollywood tem em mãos uma história de sucesso de duas irmãs que saíram da pobreza para se tornarem ídolos do esporte tenham escolhido enquadrar essa história sob o olhar de um homem.

Baseada em uma história real, a trama segue Richard Williams (Will Smith), que desde antes das filhas nascerem decidiu que Venus e Serena seriam tenistas de sucesso e fez um longo planejamento de como a vida delas seria. A partir daí acompanhamos a rotina de treinamento que Richard impõe às filhas, bem como a tentativa de encontrar patrocinadores que invistam no sucesso das duas.

Tematicamente é a típica história de superação através do esporte, batendo em todos os temas e ideias que esse tipo de trama costumeiramente toca. Aqui, há o acréscimo da questão do racismo, já que parte da motivação de Richard para investir em uma carreira esportiva para as filhas é tirá-las da pobreza e do risco de ficar nas ruas para serem vítima de traficantes ou da brutalidade policial. Nesse sentido, o filme usa o contexto da época, como o espancamento real de Rodney King por policiais de Los Angeles, para dar peso às ansiedades de Richard.

O que tira o filme do lugar comum das histórias de esporte e superação é a complexidade que o texto e a interpretação de Will Smith dão a Richard. Ele é claramente um sujeito afetuoso e preocupado com o futuro das filhas, mas também é um ególatra que aprecia os holofotes em si e muitas vezes é excessivamente rígido em disciplinar as filhas. Indo na contramão do que treinadores e agentes lhe dizem, é possível compreender e dar certa razão a Richard em evitar desgastar as filhas com muita pressão e deixar que elas aproveitem a infância. Por outro lado, é possível perceber que há uma postura de “mãe de miss” na postura dele, como que querendo demonstrar a todo momento o controle que ele tem sobre as filhas e como apenas ele tem razão.

Seria fácil reduzi-lo a um pai heroico ou a um monstro controlador, mas o roteiro abraça a complexidade e as múltiplas motivações por trás de sua conduta, contribuindo para torná-lo um personagem envolvente. Claro, muito do mérito também reside na interpretação de Will Smith, no modo como ele capta a fala mansa de Richard que soa sempre carregada de esperança e otimismo, ao mesmo tempo que confere uma insegurança no olhar do personagem, como se por baixo de toda aquela confiança ele temesse estar tomando decisões erradas pelas filhas.

Há, no entanto, uma questão que o filme nunca toca. O fato de que o tênis foi uma imposição de Richard às filhas e que ele nunca lhes deu escolha. Por mais que elas tenham tido sucesso e demonstrado talento, o tempo todo o protagonista fala que tinha esse plano de carreira para as duas desde antes de nascerem. O sonho era inicialmente de Richard, embora as filhas vieram a compartilhar o mesmo sonho.

A questão é que impor uma carreira para os filhos, principalmente desde tão jovens, não é exatamente uma boa estratégia parental, não dá aos filhos a chance experimentarem o mundo e descobrirem os próprios interesses. Inclusive essa decisão vai de encontro ao que Richard fala o filme inteiro de deixar as filhas serem crianças e terem uma infância normal, já que ele nunca deu liberdade plena a Venus e Serena. De novo, é possível entender os motivos dele agir assim, mas essa é uma contradição que o filme nunca explora. É aqui que fica evidente a limitação de contar essa história do ponto de vista dele e não das filhas, já que nunca temos acesso a como foi para elas serem criadas dessa forma. Sob a ótica de Richard não há problema, mas como foi para as duas?

Ainda que toque em muitos dos temas que estamos acostumados a ver em histórias sobre esportes, King Richard: Criando Campeãs se eleva pela complexidade que confere ao seu protagonista tanto em termos de roteiro quanto ao trabalho de Will Smith.

 

Nota: 7/10


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