terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Crítica – Matrix Resurrections

 

Análise Crítica – Matrix Resurrections

Review – Matrix Resurrections
Eu assisti incontáveis vezes Matrix (1999) impressionado pelo estilo visual e por seus temas de simulacro e livre arbítrio. As duas continuações, no entanto, não tiveram o mesmo impacto. O segundo filme apresentava boas cenas de ação, mas se embolava na trama e construção de universo e o terceiro ruía sob o peso de suas próprias pretensões. Diante da decepção das continuações, não estava lá muito empolgado para este Matrix Resurrections. Depois de anos sem demonstrar interesse em retornar a este universo, a ideia de que Lana Wachowski (dessa vez sem a irmã, Lilly) fazer um novo filme parecia mais uma tentativa de cair nas boas graças da Warner depois de sucessivos fracassos financeiros (como o horrendo O Destino de Júpiter), do que em interesse artístico.

Claro, o descontentamento com o atual estado da indústria cultural é visível desde os primeiros minutos do filme, cheio de piadinhas autorreferentes sobre reboots e até cita Matrix e a Warner nominalmente. É como se Lana quisesse nos dizer “olha gente, eu sei que todo mundo tá de saco cheio de reboots, eu também tô, o que faço aqui é um reboot descolado, olhem como sou legal”. Só que não é. Apesar de conduzir tudo como um grande manifesto contra o atual estado de Hollywood, soa mais como um chilique infantil de um adolescente forçado a lavar os pratos do que uma desconstrução dessa reciclagem criativa porque, bem, não há desconstrução.

No início, são tantas gracinhas metalinguísticas que pensei que em algum momento os personagens iam olhar direto para câmera ou que o filme entraria completamente no território paródico e Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss) iriam sair da tela para dar porrada na equipe de filmagem, nos executivos do estúdio e no público da sala de cinema ao estilo Banzé no Oeste (1974) para finalmente parar as continuações e reboots. A questão é que o filme não abraça plenamente essa desconstrução metalinguística e, ao mesmo tempo em que se coloca acima de toda a onda de reboots e produções feitas como mero fanservice, faz as mesmas coisas que as produções que critica fazem.

Aqui está a nostalgia, cheia de clipes dos filmes anteriores, cenas que reproduzem momentos de outros filmes para que os fãs aplaudam as referências e que reduzem a experiência de apreciar um filme num mero jogo de identificar metatextualidade. Tudo muito calibrado para causar aquela resposta emocional que o próprio filme critica em seus primeiros momentos. Não haveria um grande problema se o filme abraçasse essas contradições, a questão é que o discurso parece querer se colocar acima disso, quando claramente não está.

É uma pena, porque em muitos momentos o filme tem perspectivas interessantes para falar sobre o estado da cultura de massa atual, inclusive a respeito de como forças reacionárias se apropriaram da iconografia da trilogia original e os elementos como a pílula vermelha para vomitar desinformação. O problema reside na maneira como tudo é conduzido, já que o olhar de Lana Wachowski demonstra uma intenção anti-programática, embora siga bem de perto o traçado dos reboots que vemos.

A imagem das Neo e Trinity se contorcendo de dor enquanto as máquinas reconstroem a força seus corpos para manter a Matrix funcionando é uma ilustração excelente (melhor do que todo o discurso da primeira hora do filme) da operação implacável da reprodutibilidade da indústria cultural que não deixa seus personagens descansarem em paz, nem permite que suas jornadas cheguem ao fim. Do mesmo modo, o foco em Trinity permite expandir a personagem para além de um mero interesse romântico e a ênfase na relação entre ela e Neo permite que o filme se afaste da necessidade de ficar explicando demais a mitologia em longos diálogos expositivos que só tornam tudo mais arrastado. A ideia de que os humanos conseguiram prosperar mais depois que se aliaram e cooperaram com as máquinas ajuda a reforçar o ponto que o filme faz contra reduzir tudo a binarismos.

São esses bons momentos que fazem a experiência minimamente valer a pena, mas que também revelam como aquilo que estamos vendo provavelmente foi o resultado de muita negociação entre a diretora e o estúdio, que cedia algumas coisas e provavelmente impunha outras. A impressão é de um filme brigando consigo mesmo, em disputa entre ser um manifesto contra o estado de coisas contemporâneo e ser mais um reboot para enriquecer estúdio. A ação é provavelmente um elemento imposto pelo estúdio, já que mais de uma vez Neo diz não ter interesse de lutar e ainda assim o filme encontra desculpas para inserir cenas de ação a todo momento.

Mais que isso, a ação está longe da complexidade elegante dos filmes originais e se entrega à mesma montagem picotada e câmera tremida de tantas outras produções. De novo, imagino que isso vem uma intenção anti-programática da diretora, mas se a ideia era virar do avesso o que as pessoas esperam, melhor seria não fazer nenhuma sequência de ação, colocando tudo para acontecer fora de cena ou encontrando outras maneiras de resolver conflitos. Do jeito que está soa menos como uma subversão e mais como algo feito de qualquer jeito.

O elenco é outro ponto forte, com Keanu Reeves convencendo das inquietações de Neo e exibindo uma química com Carrie-Anne Moss que convence do amor intenso que une os dois personagens, movendo-os a literalmente enfrentarem um mundo inteiro. Jonathan Groff devora o cenário em todas as cenas que aparece como a nova forma do agente Smith, conseguindo trazer a mesma intensidade de Hugo Weaving na trilogia original. Já Yahya Abdul-Mateen funciona tão bem como a nova versão de Morpheus que eu até consigo deixar de lado o fato de que a motivação do retorno dele é completamente absurda. Por outro lado, os novos personagens, como Bugs (Jessica Henwick), não conseguem mostrar ao que vieram e se limitam a ser veículos de exposição.

Matrix Resurrections, portanto, tem boas ideias atrapalhadas por uma execução bagunçada, que demora a engrenar e muitas vezes entra em contradição consigo mesma, impedindo que seus melhores elementos atinjam todo seu potencial.

 

Nota: 6/10


Trailer

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