segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Crítica – Licorice Pizza

 

Análise Crítica – Licorice Pizza

Review – Licorice Pizza
Já em seu título Licorice Pizza nos apresenta a uma mistura atípica de elementos doces e salgados que nunca deveriam se juntar. Essa ideia de uma mistura agridoce e caótica que deveria resultar em desastre mas que acaba dando um inesperado sabor serve como uma metáfora para a história dos dois protagonistas.

A trama se passa na Los Angeles da década de 1970, seguindo o astro mirim Gary (Cooper Hoffman) que se apaixona pela fotógrafa Alana (Alana Haim), dez anos mais velha que ele. Alana rejeita as investidas amorosas de Gary, mas fica amiga dele e decide ajudá-lo em seus empreendimentos. Aos poucos eles se aproximam e conhecem figuras pitorescas das Hollywood de então.

Há uma energia caótica que une Gary e Alana ao longo de suas perambulações pelos vales californianos, duas pessoas em pontos distintos da vida e com perspectivas diferentes de futuro. Em tese seria uma trama clichê de “opostos se atraem”, mas é justamente por conta dessa energia caótica, dos choques e cumplicidades entre esses dois personagens que o filme se eleva acima de uma premissa tão básica.

É uma relação que seria difícil desenvolver dada a diferença de idade e o fato de um deles ser menor, mas o texto de Paul Thomas Anderson transita bem por esse terreno espinhoso. O material reconhece a imaturidade de Gary, assim como mostra que Alana impõe limites ao garoto já de início. Por mais que Gary diga mais de uma vez que quer beijar ou ver Alana pelada, também há algo de doce e ingênuo na maneira como ele manifesta seu afeto por ela, afastando-o de ser só um adolescente tarado. De maneira semelhante, há uma apatia e conformismo em Alana que é sacudida com a convivência com Gary, o que motiva o afeto dela por ele.

É uma relação cheia de idas e vindas, de rompantes imaturos, de ações inspiradoras e sabotagens mesquinhas de ambas partes. Eles acertam, erram, fazem besteira, se comportam de maneira patética. É uma representação sincera e complexa de um primeiro amor de juventude em seus altos, baixos e descobertas. Os méritos não residem apenas no texto, mas no trabalho de Hoffman e Haim e o tanto de sentimento que conseguem trazer a cada pequeno gesto, cada hesitação ou movimento. É um tipo de história de amor torta que Paul Thomas Anderson já tinha feito muito bem em Embriagado de Amor (2002).

Além de um romance, o filme é também um retrato de uma época, mostrando as personalidades pitorescas que habitavam a Los Angeles setentista. Muito do humor do filme vem das interações com esses indivíduos, como o dono de restaurante japonês vivido por John Michael Higgins (o Mikado foi de fato o primeiro restaurante japonês do Vale de São Fernando), o ator Jack Holden (Sean Penn), que tenta seduzir mulheres citando diálogos de seus próprios filmes (baseado no ator William Holden) e a figura mais instável de todas: o cabeleireiro e produtor John Peters (Bradley Cooper).

Curiosamente uma das poucas citações a figuras hollywoodianas do período que o filme que usa o nome real do indivíduo retratado. Talvez porque o comportamento, digamos, excêntrico, de Peters já tenha sido bastante documento por várias pessoas que trabalharam com ele. O melhor exemplo seriam as múltiplas entrevistas de Kevin Smith sobre o período em que trabalhou com Peters em um roteiro para um filme do Superman.

Há um claro afeto de Anderson em reconstruir esse passado e o clima de uma juventude descobrindo aquele universo, tentando achar seu lugar nele. O diretor constrói um espaço em que jovens tentam encontrar oportunidades em meio ao que parece ser o ocaso do “sonho americano”, conforme a administração Nixon afunda, crises econômicas surgem e o fracasso no Vietnã fica mais e mais evidente. Se os personagens parecem estar à deriva, o país em si também o está, um sentimento que o diretor também explorou em Vício Inerente (2014).

Cheio de afeto e idiossincrasias, Licorice Pizza é um delicioso retrato sobre amadurecer às margens da indústria hollywoodiana na década de 1970.

 

Nota: 8/10


Trailer

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