Adaptando um romance de Patricia Highsmith (que escreveu, entre outras coisas, O Talentoso Ripley), a trama acompanha o casal Victor (Ben Affleck) e Melinda (Ana de Armas). Os dois vivem há tempos em uma relação estagnada, distante, e Melinda não tem nenhum problema em se envolver em casos extraconjugais e até levar seus amantes para festas da família, exibindo-os diante de todos. Um dia Victor decide abandonar sua postura passiva e resolve matar o mais recente amante (Jacob Elordi) da esposa.
O principal problema da trama é que o roteiro nunca nos dá contexto para como a relação dos dois chegou nesse estado. O que causou a estagnação no relacionamento? Porque Melinda decidiu trair o marido de maneira tão acintosa ao ponto de exibir seus amantes na frente dele e todos os seus amigos? Não é uma decisão que simplesmente acontece em uma pessoa que tem um casamento com filhos.
Do mesmo modo nunca é explicado porque exatamente Victor tolera isso de maneira mansa, sem sequer considerar divórcio. Em uma discussão Melinda chega a dizer que ele não tem vontade de se divorciar, mas qual o motivo? Seria fácil resolver isso com algum diálogo dizendo que eles não tem qualquer tipo de acordo pré-nupcial ou que Victor teme como um divórcio afetaria a filha deles. Ao invés de nos dar um contexto, tudo é deixado vago e como não entendemos as motivações dos personagens, é difícil aderir ou se posicionar em relação a eles.
Ana de Armas confere uma sensualidade sádica a Melinda, uma mulher cujo prazer não reside meramente no sexo, mas no efeito que ela causa nos homens ao redor. Ela parece se excitar ao levar seus amantes para as festas que vai com o marido e, surpreendentemente, também se mostra excitada ao descobrir os assassinatos do marido. Apesar dos esforços da atriz, no entanto, Melinda nunca vai além de uma mulher lasciva que gosta de se colocar na condição de objeto, já que o roteiro nunca explora plenamente o que motiva a personagem.
Affleck, por outro lado, nunca convence do lado manso de Vic, sempre exibindo um lado mais sombrio e uma raiva contida. Assim, quando ele eventualmente fica farto das humilhações da esposa e começa a matar seus amantes, não há exatamente surpresa ou impacto em tudo isso. A trama também é prejudicada pelo ritmo arrastado, que demora a engrenar e a chegar no seu conflito principal. O clímax, por sua vez, é marcado por eventos que ocorrem por pura conveniência de roteiro, como o acidente que mata Don (Tracy Letts), um amigo de Victor. A morte de Don, que cai com o carro de uma ribanceira ao dirigir em alta velocidade enquanto tentava mandar uma mensagem de texto para a esposa depois de testemunhar Victor escondendo um cadáver, é extremamente estúpida.
O material ainda ignora os evidentes subtextos de masculinidade tóxica e questões de classe social. É evidente que a decisão de Victor em matar os amantes de Melinda tem a ver com uma tentativa furiosa de “recuperar” sua masculinidade. Do mesmo modo, há uma incontornável questão de classe no modo como Melinda e Victor acabam usando os bonitões fracassados com quem Melinda se relaciona. Afinal, esse casal de ricos eventualmente trata essas pessoas como meros brinquedos para provocar uma reação no cônjuge, descartando-os quando não servem mais e deixando um rastro de morte. É como se ambos sentissem que seu status social os tornasse imunes a questões de moralidade e eles pudessem dispor dos outros como bem entendessem.
Sem conseguir funcionar como
suspense ou como um estudo de um relacionamento doentio, Águas Profundas fez pela relação de Ben Affleck e Ana de Armas o
que À Beira Mar (2015) fez pela relação de Brad e Angelina.
Nota: 4/10
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