quarta-feira, 2 de março de 2022

Crítica – Belfast

 

Análise Crítica – Belfast

Review – Belfast
É difícil não olhar para este Belfast e não pensar em outros filmes sobre infância vivida em tempos de tensões políticas e sociais como Alemanha, Ano Zero (1948) ou O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006). Mostrar esses períodos sobre o prisma da infância permite entender como essas tensões afetaram até mesmo aqueles que não tinham plena consciência do que acontecia à sua volta.

O diretor Kenneth Branagh baseia a trama em sua própria infância na cidade de Belfast, na Irlanda, durante a década de 1960. O garoto Buddy (Jude Hill) gosta de brincar e assistir filmes, mas seu cotidiano é constantemente interrompido pelos conflitos violentos entre protestantes e católicos. Aos poucos o garoto também percebe os conflitos entre o pai (Jamie Dornan) e a mãe (Caitriona Balfe) que brigam por conta de dinheiro e do que fazer diante das tensões sociais que se agravam.

Mais do que falar sobre essas questões sociais e políticas, Branagh usa essa história para falar de seus anos formativos. Sabendo que se baseia em experiências autobiográficas é possível ver como o diretor insere a influência da ficção e do cinema em sua vida, mostrando como Buddy ficava imerso nos filmes que assistia, como na cena em que ele e a família assistem a O Calhambeque Mágico (1968).

A presença dessas influências formativas do cinema também está presente nas escolhas de encenação que Branagh faz em algumas cenas. O momento em que o pai de Buddy confronta um líder terrorista local que pegou a esposa dele de refém é filmado como um duelo de faroeste (com direito a música tirada diretamente do seminal western Matar ou Morrer). Em outra cena, uma declaração de amor é toda construída como uma comédia romântica de outrora.

Seria possível dizer que a trama nunca se aprofunda propriamente nas tensões sociopolíticas do período em que retrata ou mesmo nos conflitos dentro da casa de Buddy. Isso, no entanto, é compreensível pelo fato de que tudo é narrado do ponto de vista do garoto protagonista e, como tal, temos um acesso limitado às informações, como o garoto ouvindo uma discussão nos pais no corredor. Interessa mais a Branagh entender como tudo isso afeta seu personagem e sua família do que fazer um tratado sobre intolerância religiosa na Irlanda ou qualquer coisa que o valha.

Nesse sentido, o filme é sustentado principalmente pelo elenco principal. O menino Jude Hill é um achado como Buddy, trazendo uma ingenuidade encantadora para o garoto. Jamie Dornan e Catriona Balfe são ótimos como um casal em atrito por conta das tensões e incertezas ao redor deles, enquanto Ciaran Hinds e Judi Dench trazem um calor humano enorme aos avós de Buddy. Juntos eles estabelecem uma química muito sincera que nos faz crer na unidade daquele núcleo familiar.

A maneira como Branagh conduz sua trama foca mais na leveza das aventuras juvenis de Buddy, trazendo uma boa medida de humor e encantamento, mas o diretor não se furta de dar a devida seriedade aos momentos de drama ou tensão, embora sempre sob o olhar infantil e distanciado de Buddy. Tal como a própria infância ou o processo de amadurecimento, é uma jornada agridoce que explora o lúdico e o deslumbramento de uma criança descobrindo o mundo e entendendo seu lugar nele com o drama de amadurecer e entender que existem coisas horríveis neste mundo e que até mesmo nossos pais são pessoas falhas.

Belfast é uma narrativa de formação que se constrói de maneira muito confortável dentro do que é típico desse tipo de história, mas tem humor, afeto e personagens envolventes, além de um equilíbrio entre leveza e tensão, que torna difícil não se deixar envolver por seu jovem protagonista.

 

Nota: 8/10


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