Alguns filmes nos causam dificuldades de falar sobre ele. Este Drive My Car, dirigido por Ryusuke Hamaguchi, é um desses filmes. São tantas sutilezas, tantos pequenos elementos que se juntam para produzir uma catarse sobre luto e falta de comunicabilidade que fico com receio de deixar algo de fora e não fazer justiça à produção.
A trama acompanha o ator e dramaturgo Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima). Depois da morte da esposa, Kafuku é chamado para uma residência em um teatro em Hiroshima para uma montagem da peça Tio Vânia, de Anton Chekov. Lá ele é colocado sob os cuidados da motorista Misaki Watari (Toko Miura), apesar de dizer que pode dirigir sozinho. Aos poucos um laço de amizade see forma entre eles conforme trocam experiências sobre o que perderam.
Hamaguchi conduz as três horas de projeção em um ritmo bem deliberado, dando tempo para que possamos perceber cada gesto, cada olhar, cada pequeno elemento que parece casual, mas que diz muito sobre a vida interna dos personagens. Um exemplo é como o enquadramento se detem sob o olhar perdido de Kafuku enquanto ele transa com a esposa, mostrando a desconexão entre os dois. Do mesmo, o plano com as mãos de Kafuku e Watari segurando seus cigarros acima do teto solar aberto do carro revela a cumplicidade que se formou entre os dois.
É uma trama que caminha sem pressa, explorando os pequenos momentos que as poucos vão transformando aqueles indivíduos. Por conta disso a progressão lenta talvez afaste muita gente. É também pouco generoso com o espectador, já que muitos conflitos acontecem de maneira implícita durante os ensaios de Tio Vânia, dependendo do conhecimento do texto de Chekov para embarcar nos subtextos do filme.
Não que seja um filme obtuso e de difícil compreensão, mas que suas ideias não são verbalizadas explicitamente e operam em um nível muito subtextual. A ideia de montar um espetáculo em que cada ator fala em seu próprio idioma serve para falar sobre comunicabilidade. Em como a arte permite que dialoguemos em qualquer idioma ao mesmo tempo em que serve de metáfora para relações interpessoais nas quais nunca acessamos plemenamente o que o outro que dizer.
Os próprios diálogos da peça fazem trazer a tona os sentimentos e inquietações que Kafuku mantem sufocados dentro de si, não é a toa que ele inicialmente se recusa a atuar porque isso implicaria em fazer confrontar os sentimentos que ele evita. A recusa em seguir com a vida depois da morte da esposa é materializada pela decisão do protagonista em circular de carro a esmo ouvindo fitas com a voz dela recitando os diálogos da peça.
O carro de Kufuku é uma ilha de cor entre a paisagem urbana cinzenta ao seu redor e o trânsito formado por automóveis predominantemente brancos. É uma escolha que ressalta o espaço do carro como o espaço em que os personagens se sentem mais confortáveis de explorar seus sentimentos.
As atuações tambem são focadas em pequenos movimentos, gestos e mudanças bem graduais. Toko Miura faz de Watari uma jovem tensa e fechada, mas que aos poucos vai se soltando conforme as conversas com Kufuku preenchem os silêncios da viagem e um começa a instigar o outro a falar. O tom brusco da voz dela aos poucos dá lugar a uma melancolia. É justamente por conta dessas pequenas transformações que a eventual catarse funciona tão bem. Sem elevar o tom discreto do filme, os personagens aceitam vocalizam suas dores e se deixam ser confortados.
Com
uma direção precisa e atuações sutis que revelam as dores contidas de seus
protagonistas, Drive My Car é uma análise sensível sobre luto e
comunicabilidade.
Nota:
9/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário