quarta-feira, 30 de março de 2022

Crítica – A Pior Pessoa do Mundo

 

Análise Crítica – A Pior Pessoa do Mundo

Review – A Pior Pessoa do Mundo
Em tese, A Pior Pessoa do Mundo é um filme que não deveria dar certo. Mudanças bruscas de tom e de regime estético tinham tudo pra tornar o filme uma bagunça incoerente. No entanto, o diretor norueguês Joachim Trier transforma em força a bricolagem inconstante que estrutura a trama, construindo um retrato agridoce sobre amadurecimento.

A trama acompanha Julie (Renate Reinsve), uma jovem que se aproxima dos trinta anos e se sente à deriva na vida, mudando constantemente de carreiras e prioridades. Em uma narrativa dividida em capítulos, o espectador acompanha Julie ao longo de quatro anos de sua vida enquanto ela tenta se encontrar profissionalmente e afetivamente em parceiros como o cartunista Aksel (Anders Denielsen) e Eivind (Herbert Nordrum).

Renate Reinsve traz um olhar inquieto a Julie, como alguém que sempre parece em busca de algo, de um ponto focal em que possa se fixar. É alguém movida por um desejo de construir uma vida para si ao mesmo tempo em sente a ansiedade de ver todos ao seu redor parecem já estabilizados e seguros de seus rumos de vida. Julie não tem nada disso, um sentimento que muitas pessoas na faixa dos trinta conseguem simpatizar conforme sabemos que não somos mais jovens e já deveríamos saber muito sobre nós mesmos ao mesmo tempo em que não nos sentimos adultos ou plenamente no controle de nossas vidas.

Mesmo os poucos pontos fixos na vida de Julie são marcados por instabilidade, como sua relação com Aksel, um homem quase quinze anos mais velho que ela, não consegue lhe ajudar a se sentir estável na vida. Um incômodo que ela por vezes desconta de maneira imatura como no capítulo em que entra de penetra em um casamento e conhece Eivind, em uma breve interação na qual Reinsve demonstra como Julie é capaz de se sentir segura e confortável na própria pele.

Como mencionei antes, o filme varia rápido entre a comédia ácida (principalmente pelas falas irônicas da narração), o romance e o drama. Essas guinadas, com Julie ficando doidona de alucinógenos e esfregando sangue menstrual no rosto em um momento para logo em seguida a vermos em uma conversa sincera e emotiva com um adoentado Aksel se sustenta justamente por conta do trabalho Reinsve, que nos convence tanto das interações que Julie tem com as pessoas ao seu redor, quanto das inquietações que a personagem demonstra em seus momentos mais introspectivos.

O mérito não é apenas de Reinsve, já que Anders Danielsen e Herbert Nordrum conseguem dar uma boa dose de complexidade aos seus personagens. Aksel é um sujeito que crê já estar estabilizado na vida profissional e pensa em seguir certas ambições pessoais que deixou de lado, mas sua incapacidade de lidar com a constante mudança de paradigmas culturais o deixa amargurado, embora consiga encontrar alguma serenidade em seus últimos momentos. Já  Eivind parece uma versão ainda mais perdida e imatura de Julie (o que talvez explique porque ela se sente tão segura e confortável com ele), alguém que parece satisfeito em não ter ambições e se deixar levar pela vida. Por outro lado, Eivind claramente se sente subestimado por Julie, que, por sua vez, começa a se ressentir da falta de ambição do companheiro.

É impressionante como a direção de Joachim Trier consegue transitar entre regimes estéticos, do realismo cru de uma discussão de término entre Julie e Aksel no qual eles passam por todas as fases dolorosas e confusas desse tipo de conversa, para algo mais poético e fantasioso, como no momento em que Julie vai até Eivind e sente literalmente o tempo parar ao seu redor, caminhando por entre pessoas paradas no tempo. É uma estratégia que funciona pela segurança com a qual Trier conduz tudo e também por casar muito bem com a falta de foco e constante mudança de Julie. É como se o filme mudasse seu regime estético para tentar acompanhar as bruscas mudanças internas de sua protagonista.

Assim, A Pior Pessoa do Mundo é uma análise poética e agridoce das inconstâncias da busca por um rumo na vida adulta, que se vale de uma direção que transita com habilidade entre diferentes estéticas, excelente elenco e um texto que entende muito bem as inquietações de chegar na vida adulta na contemporaneidade.

 

Nota: 9/10


Trailer

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