quinta-feira, 24 de março de 2022

Crítica – Sorte de Quem?

 

Análise Crítica – Sorte de Quem?

Review – Sorte de Quem?
Dirigido por Charlie McDowell, responsável pelo bacana e pouco visto Complicações do Amor (2015), este Sorte de Quem? está longe de ser um típico suspense sobre invasão doméstica. Na verdade, quem assistir o filme procurando um suspense padrão provavelmente vai se decepcionar, já que McDowell está mais interessado na colisão de personalidades e interesses de seus personagens do que na tensão ou na intriga.

Na trama, um homem que nunca é nomeado (Jason Segel) invade a casa de veraneio de um bilionário da tecnologia, imaginando que o local estará vazio. Quando o dono da casa (Jesse Plemons) e sua esposa (Lily Collins), chegam inesperadamente no local, o estranho acaba fazendo-os de reféns numa tentativa de faturar mais.

Com planos que se estendem bastante e tensões que se constroem aos poucos, a construção da trama é relativamente lenta, mas que compensa conforme tudo chega ao sangrento clímax. É, no entanto, menos sobre o jogo de gato e rato entre sequestrador e reféns e mais uma tentativa de entender quem são essas pessoas através do dispositivo da situação limite na qual são colocadas.

Nesse sentido, a trama e o embate entre esses personagens é fundamentalmente sobre classe social e distribuição de riqueza. Jesse Plemons rouba a cena como um egocêntrico bilionário da tecnologia que se acha acima da humanidade e protegido de tudo só porque tem quantidades obscenas de dinheiro. Ele despeja um claro desdém a retórica da pura meritocracia, que qualquer um pode ser bilionário como ele (não muito diferente do recente discurso de Kim Kardashian sobre todos termos as mesmas 24 horas no dia), tratando a pobreza como uma mera consequência da falta de esforço, ignorando as distorções e desigualdades causadas pela extrema acumulação de capital nas mãos de poucos dentro do sistema capitalista. Plemons faz de seu personagem um sujeito que enxerga todos ao seu redor como objetos e age como se bastasse usar seu dinheiro para resolver qualquer problema.

Enquanto Plemons mostra o quanto a elite financeira pode ser desprezível, caberia ao personagem de Jason Segel expor e questionar as iniquidades e desequilíbrios da nossa sociedade, mas a despeito da frustração e raiva que Segel demonstra em relação ao bilionário, o discurso do personagem acaba soando superficial. O estranho se limita a apontar como é injusto que alguém tão babaca e desprezível quanto o personagem de Plemons acabou em uma posição tão privilegiada, ignorando que toda a questão do privilégio é que ele independe do mérito (técnico ou moral) e que o problema é como nosso sistema social/financeiro se estrutura, não uma única pessoa.

Por outro lado, Lily Collins se sai melhor nesses questionamentos como a esposa do bilionário, que aos poucos se dá conta de que seu casamento foi mais por interesse do conforto do que o marido poderia proporcionar e como ela abriu mão de muito de sua personalidade e desejos apenas para agradar ao marido. Conforme a trama se desenvolve e ela ouve o marido despejar seu egoísmo e ódio de classe, ela percebe que ele a vê meramente como um troféu, um objeto bonito em sua coleção de coisas caras que ele pensa poder dispor como bem entender. A construção dos conflitos entre o casal e a crescente frustração da esposa tornam compreensíveis as ações sangrentas do desfecho.

Desta maneira, apesar de nem sempre desenvolver com consistência sua crítica social e o desenvolvimento mais lento não ser para todos, Sorte de Quem? é um competente estudo de personagem que pondera acerca das desigualdades de nosso mundo.

 

 

Nota: 6/10


Trailer

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