A narrativa acompanha principalmente Jacoba Ballard, a primeira das “filhas” do médico Don Cline a se dar conta do que ele fazia. Ela é a responsável por juntar os meio-irmãos e por tentar cobrar das autoridades algum tipo de justiça pelas ações antiéticas do médico. O documentário é eficiente em expor como as pacientes inseminadas pelo DNA do médico se sentiram violadas tanto em termos físicos quanto na confiança que tinham com o médico, já que algumas delas inclusive tinham pedido para ser inseminadas com a amostra fornecida por seus respectivos maridos.
Recorrendo a entrevistas, imagens de arquivo e a cenas encenadas por atores, o filme tenta dar conta de como a descoberta das ações de Cline afetaram as famílias envolvidas. Algumas cenas encenadas ajudam a entender como o momento da inseminação coloca as mulheres em um estado de tensão e vulnerabilidade, explicitando o motivo das ações de Cline serem tão abusivas. Por outro lado, as cenas que envolvem Cline parecem fazer questão de pintá-lo como um sujeito caricaturalmente maligno, sem buscar entender o que movia ele e mais interessadas em um choque sensacionalista.
Não que entender as motivações de Cline desculpasse ou aliviasse sua conduta monstruosa, mas se a proposta é retratar um evento real, o mínimo que se espera é que realmente se tente entender esse evento em sua complexidade, sem reduzi-lo a maniqueísmos fáceis. Esse interesse maior pelo choque aparece também no modo como o filme ventila teorias sobre o porquê das ações de Cline, recorrendo a teorias conspiratórias de que ele pertencia a um movimento religioso ultraconservador e racista devotado a ter o maior número possível de filhos e valorizar genes caucasianos. O problema é que o filme não oferece nenhuma evidência material da ligação de Cline com essa organização específica para além da circunstância do médico ser um religioso conservador.
Com tanto tempo perdido em expedientes que parecem mais focados em produzir choque e indignação, o documentário acaba passando apenas superficialmente por muitas questões que o caso suscita. Desde questionamentos sobre ética médica, passando pelas estruturas machistas da sociedade que tornam fácil homens abusivos ficarem impunes. O fato de que as leis de estupro ou abuso sexual não conseguem acompanhar o desenvolvimento da ciência para cobrir certas possibilidades de abuso que aparecem nesse contexto é outro ponto pouco explorado. O documentário nos informa sobre isso, não chega a tentar discutir o que pode ser feito, o que é importante principalmente se considerarmos o dado exibido ao final de que existem suspeitas de que mais de quarenta outros médicos nos EUA faziam o mesmo que Cline.
Pai Nosso? documenta de maneira envolvente uma história chocante
sobre violação e abuso na medicina, mas se perde em expedientes
sensacionalistas que visam mais o choque do que a discussão e análise dos
elementos envolvidos.
Nota: 6/10
Trailer
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