terça-feira, 21 de junho de 2022

Crítica – A Escada

 

Análise Crítica – A Escada

Review – A Escada
Embora nunca tenha assistido, já tinha ouvido falar da minissérie documental Morte na Escadaria, de Jean-Xavier Lestrade, que contava a história de um homem condenado pela morte da esposa depois de supostamente simular sua queda de uma escada e de se envolver com uma situação semelhante anos antes. Quando a HBO anunciou este A Escada, minissérie que dramatizaria os eventos do documentário fiquei curioso para conferir e o resultado é uma história criminal com certa ambiguidade, ainda que os realizadores façam uma clara aposta a respeito do que realmente aconteceu.

A trama é baseada na história real de Michael Peterson (Colin Firth), acusado de assassinar a esposa Kathleen (Toni Colette) simulando uma queda da escada da casa em que moravam. A polícia crê que ele é culpado por conta das inconsistências em seu testemunho e na cena do crime, já Michael alega que tudo foi uma infeliz coincidência. Aos poucos, porém, as investigações descobrem que Michael guarda muitos segredos, como o fato de ser bissexual e ter traído a esposa com vários homens e o de já ter se envolvido a uma situação semelhante à morte de Kathleen anos atrás.

As constantes idas e vindas no tempo incomodam um pouco, pelo modo como a trama faz essas transições sem sinalizar direito ao espectador. De início é fácil perceber os movimentos temporais porque as cenas em que Kathleen está viva são obviamente no passado, mas lá pela segunda metade da minissérie, quando a trama varia entre Michael preso e o futuro de suas tentativas de apelação ao julgamento, esses movimentos temporais ficam um pouco confusos. Além disso, em muitos casos as idas e vindas soam desnecessárias, já que muita coisa, principalmente nos últimos episódios, com a prisão, apelação e soltura de Michael poderiam ser contados cronologicamente sem problemas.

Por outro lado, os flashbacks envolvendo a relação de Michael com Kathleen que são usados de maneira mais espaçada ao longo da temporada servem para sedimentar os vários motivos que Michael teria para assassinar a esposa além de revelarem como a relação entre eles não era tão boa quanto Michael dava a entender. Nesse sentido, parece evidente que a série tende a considerar Michael culpado, já que mesmo quando tenta ilustrar outras teorias possíveis (como a de que Kathleen teria sido atacada por corujas) nunca se detém a elas do mesmo modo como o qual mostra os muitos motivos de Michael para eliminar a mulher.

O grande mérito da série, no entanto, repousa sob os ombros de Colin Firth, que injeta ambiguidade suficiente a Michael para que fiquemos em dúvida se ele é culpado ou não. De um lado Firth traz a Michael uma vulnerabilidade de alguém que nunca alcançou nada do que gostaria e esconde a própria sexualidade da família. Há algo de pacato e frustrado na composição de Firth que talvez faça Michael parecer inofensivo. Por outro lado ele demonstra em muitos momentos um ego desmedido, que faz todas as situações serem sobre si mesmo, reagindo com agressividade e virulência toda vez que alguém não faz o que ele quer, algo evidente na cena em que Kathleen conta que perdeu os investimentos na bolha imobiliária e Michael reage com agressividade ao fato de que não vai conseguir a aposentadoria que queria.

Michael também demonstra grande habilidade com manipulação, principalmente em relação a Sophie (Juliette Binoche), editora do documentário de Lestrade que acaba se envolvendo com Michael e passa a advogar por sua inocência. Ao finalmente conseguir ficar livre, Michael descarta Sophie e os planos que fizera com ela para morar em Paris como se todo o tempo, energia e correspondências afetuosas não tivesse qualquer significado para ele. Em cenas assim, Michael soa explicitamente como um psicopata desprovido de qualquer empatia pelas pessoas ao seu redor. A cena final em que Michael olha diretamente para câmera, como que nos desafiando a julgá-lo, deixa ambíguo se estamos diante de um sujeito que sabe que evadiu a lei e está satisfeito com isso ou se trata-se um homem inocente frustrado por ter perdido parte da vida mergulhado na infâmia com o julgamento injusto de outros.

Não é a toa que Jean-Xavier Lestrade tenha reclamado pelo modo como o diretor e showrunner Antonio Campos faça de Lestrade e sua equipe. Ao final a minissérie trata Lestrade e o resto dos responsáveis pelo documentário como ingênuos facilmente enredados pela manipulação de Michael conforme suas entrevistas pós soltura evidenciam o quanto ele teria mentido para Lestrade durante o documentário. Como não assisti a produção documental, não sei dizer até que ponto esse olhar faz sentido ou não.

Navegando com habilidade pelas dubiedades do caso real retratado e sendo sustentada por uma ótima performance de Colin Firth, A Escada é um envolvente relato sobre um dos casos criminais que mais mobilizou o público nos últimos anos.

 

Nota: 8/10


Trailer

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