segunda-feira, 6 de junho de 2022

Crítica – Morbius

 

Análise Crítica – Morbius

Review – Morbius
Depois que Venom (2018) fez mais sucesso que a Sony esperava, o estúdio resolveu fazer mais filmes de personagens secundários do universo do Homem-Aranha, o que resultou neste Morbius. A decisão, no entanto, parecia ignorar o contexto do sucesso do filme do simbionte. Venom é um personagem com uma ampla base de fãs e era protagonizado por um ator carismático que mais de uma vez tinha mostrado ser capaz de segurar um grande blockbuster.

Nada disso, no entanto, se aplica a Morbius, que pega um personagem de quinto escalão das histórias do Homem-Aranha, muito longe da popularidade do Venom.  Ainda por cima escalam Jared Leto, um ator que nos últimos anos só tem atraído antipatia do público, em especial do público de filmes de super-heróis devido ao seu pavoroso trabalho como Coringa em Esquadrão Suicida (2016), por suas presepadas de bastidores devido à “imersão” em seus personagens que não necessariamente resulta em bons filmes ou boas atuações. Então de cara Morbius já era um filme que não prometia muita coisa, o que surpreende é como ele consegue entregar ainda menos do que as expectativas já baixas a seu respeito indicavam.

Na trama, Michael Morbius (Jared Leto) é um médico supostamente brilhante (porque a trama nunca o mostra fazendo nada de extraordinário nesse sentido) com uma rara doença sanguínea vagamente definida que nunca consegue servir como uma boa motivação justamente por nunca ter sintomas ou limitações muito bem definidas. Na busca pela cura, Morbius faz experimentos misturando o DNA humano com o de um morcego vampiro. Ele testa a fórmula em si mesmo, mas logicamente dá errado e ele se transforma em um vampiro.

No geral, o produto soa mais como uma colagem aleatória de cenas do que um filme narrativo coeso com qualquer intencionalidade. Elementos são jogados de qualquer maneira na tela sem a devida preparação, como o fato do vilão Milo (Matt Smith) se tornar um assassino sádico ao tomar a fórmula de Morbius sem que nada tenha sido estabelecido sobre ele ter essa personalidade. O mesmo pode ser dito do rancor que Milo tem por Morbius, que nunca é construído pela trama.

Outros eventos acontecem por pura necessidade de roteiro, como os agentes do FBI imediatamente tratarem Morbius como suspeito pelas mortes no cargueiro, mesmo que não haja qualquer evidencia sólida de que o médico estava lá. A razão disso acontecer é que o roteiro precisa que aconteça para que o protagonista seja preso. De novo, não há provas sequer que ele estava na cena dos crimes e Morbius é um cientista internacionalmente respeitado, então nenhum policial realisticamente tentaria prendê-lo arriscando a carreira. Apesar de não fazer sentido, o agente interpretado por Tyrese Gibson resolve prender Morbius de qualquer jeito porque ele precisa ser preso para que Milo possa invadir o laboratório e tomar a fórmula de Morbius, além de ser necessário para forçar uma cena ação com o personagem fugindo da cadeia.

Também há a questão de que o filme ignora a própria lógica ou as tramas que ele mesmo coloca. No início vemos Morbius colocar uma garota em coma para mantê-la viva enquanto busca uma cura para ela, mas a garota desaparece da trama e esse evento não tem qualquer repercussão. Em outro momento Morbius encontra Martine (Adria Arjona) dentro de um ônibus porque ela está sendo seguida pelo FBI e não pode ser vista com ele, no entanto, na cena seguinte os dois estão sentados em um café sem qualquer disfarce, ignorando toda a construção da cena anterior.

De maneira semelhante, quando Morbius cria um soro capaz de eliminar Milo, o médico faz uma segunda dose para usar em si mesmo, querendo eliminar completamente sua “maldição”. Porém, quando Morbius finalmente derrota Milo, ele simplesmente sai voando noite afora sem que a narrativa dê qualquer repercussão para a decisão anterior do protagonista em acabar com a própria vida depois de eliminar Milo. É como se todo o diálogo com Martine sobre a segunda dose do anticorpo nunca tivesse existido. Aliás, porque Martine acorda como vampira depois de ser mordida por Morbius? Isso não aconteceu com nenhuma outra de suas vítimas (ou de Milo).

Isso seria perdoável se ao menos o filme entregasse boas cenas de ação ou personagens interessantes, mas não faz nenhuma das duas coisas. As lutas entre Morbius e Milo parecem dois borrões de tinta em uma grande orgia de cor incompreensível que mostra que a Sony não aprendeu nada com os problemas de Venom (2018). Em alguns momentos as cenas de ação sequer fazem sentido, como no instante em que Morbius dispara uma “rajada de morcegos” em Milo, algo que sequer deveria ferir o inimigo uma vez que a narrativa estabelece anteriormente que os morcegos não atacam os vampiros.

Já os personagens não tem nada digno de nota para serem interessantes. Morbius é uma figura passiva, quase sem agenciamento sobre o que acontece, sempre levado de um ponto a outro por eventos (mal construídos) da trama, raramente fazendo escolhas por si só. Apesar de todo falatório sobre sua imersão no personagem, Jared Leto entrega um trabalho apático e sem graça, nunca convencendo da obstinação do médico ou de seu conflito moral. Claro, parte do problema é do roteiro, que mais nos informa dos talentos ou dilemas do personagem do que cria situações que coloquem isso a prova, no entanto Leto também não faz muito para injetar qualquer carisma no anti-herói.

Matt Smith, por sua vez, parece estar em um filme completamente diferente do resto do elenco, em uma atuação histriônica e caricata que está fora do tom de toda a produção. É como se Leto e o resto do elenco chegassem preparados para Hamlet e Smith tivesse se preparado para Rei Lear. Algumas cenas envolvendo Milo existem apenas para explorar essa faceta cartunesca do vilão, como o momento em que ele dança enquanto muda de roupa, algo tão gratuito e risível que me pergunto por que está no filme.

O resto do elenco não tem muito a fazer, já que seus personagens são puros dispositivos de roteiro ou às vezes nem isso. Adria Arjona fica presa a uma mulher que existe apenas para ser interesse amoroso do herói, sem qualquer personalidade, motivação ou arco próprio. Jared Harris, por sua vez, deveria ser o mentor/figura paterna de Morbius e Milo. A questão é que o filme nunca dá nenhuma situação em que possamos ver o personagem dele de fato desempenhando essa função e ele morre sem fazer qualquer diferença.

Outro problema é a condução de Daniel Espinosa que nunca decide como quer enquadrar o material que tem em mãos. Seu olhar transita a esmo, variando entre momentos nos quais flerta com o terror, outros em que tenta levar tudo a sério e mais alguns em que remete um blockbuster mais exagerado e estúpido. Nenhuma das três escolhas é explorada com consistência e o resultado é uma colcha de retalhos tonal que carece de qualquer intencionalidade. Provavelmente a culpa não é só do diretor, já que considerando as refilmagens e adiamentos o estúdio certamente interferiu bastante no corte final e nesse resultado bagunçado e sem personalidade.

Não podia deixar de comentar as tentativas do filme em criar um universo compartilhado que são tão equivocadas que servem como um ótimo exemplo de como não tentar conectar diferentes filmes. O momento em que Morbius cita o nome de Venom é completamente gratuito já que nada nos dois filmes do simbionte dá a entender que a criatura seria conhecida pelo grande público. As duas cenas pós-créditos envolvendo Adrian Toomes (Michael Keaton) chegam a ser patéticas de tão sem sentido. Pelo que foi estabelecido no MCU, não havia qualquer razão para ele mudar de universo depois da correção do feitiço ao final de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021). Nada faz sentido no diálogo final entre Toomes e Morbius, afinal porque o Abutre pensaria que Morbius sabe alguma coisa sobre o Homem-Aranha?

Não tinha nenhuma expectativa quando fui assistir Morbius e ainda assim ele conseguiu ser muito pior do que eu esperava.

 

Nota: 1/10


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