A narrativa é protagonizada por Evelyn (Michelle Yeoh), uma mulher de meia idade frustrada pela vida, lutando para manter uma lavanderia da qual não gosta, mas é seu único sustento e vendo seu casamento com o manso Waymond (Ke Huy Quan) desmoronar. Ela também tem uma relação conflituosa com a filha, Joy (Stephanie Hsu), não aceitando que ela saia do armário para o avô, Gong Gong (James Hong). Esses problemas são amplificados quando Evelyn é abordada por uma versão de Waymond de outro universo, que alerta a protagonista que ela é a única com possibilidade de deter um mal que pode destruir o multiverso.
Chama atenção como o filme consegue mesclar drama, comédia, ação e ficção científica em sua trama, fazendo tudo isso soar orgânico em meio ao caos das viagens multiversais. A ação é criativa, explorando as possibilidades absurdas de combinações de habilidades insólitas, como uma luta que envolve uma pochete e outra em que Evelyn enfrenta dois homens com objetos enfiados em suas partes íntimas. A montagem ajuda a dar fluidez a esses embates e às transições entre os múltiplos universos.
Há uma inegável sobrecarga sensorial e narrativa, mas nunca fica bagunçado ao ponto de ficar incompreensível como vem acontecendo em filmes de ação nos últimos anos. Aqui a sobrecarga inclusive parece deliberada, com a protagonista precisando lidar com a malha fina do imposto de renda, a relação com a filha, o divórcio iminente e uma ameaça ao multiverso. A sensação de caos que o filme cria visa reproduzir esse senso de sobrecarga da protagonista e também remeter ao nosso próprio cotidiano em que parece que estamos sempre sobrecarregados por uma série de problemas que se impõem sobre nós e requer nossa atenção em diferentes lugares tudo ao mesmo tempo.
A ideia de multiverso e a motivação da vilã em querer destruir tudo se relaciona com o pavor existencial de percebermos o quanto a nossa existência é irrelevante em um infinito multiverso e como é impossível, mesmo diante de todas as possibilidades diante de nós, evitar o sofrimento. A jornada de Evelyn, portanto, não é derrotar a vilã com a força física, mas fazê-la entender que o valor da vida reside justamente nos breves momentos em que conseguimos escapar de todo esse pavor, de como conseguimos dar significado às nossas vidas. Nesse sentido, o texto é esperto em entender que muitas vezes esse sentido, essa beleza, esse sublime, pode estar nas coisas mais banais, mais cotidianas, como o cheiro do perfume da pessoa amada, um pequeno gesto de gentileza ou a graça de ver pessoas com dedos de salsicha.
Além dessa busca por sentido, a narrativa também trabalha o trauma geracional entre Evelyn e o pai e entre Evelyn e a filha. Ao longo do seu contato com múltiplas versões da própria família a protagonista percebe como seu temor de que a filha cometesse seus mesmos erros a fez agir da mesma maneira que o pai agiu com ela. Deste modo Evelyn percebe como estava prolongando por mais uma geração o mesmo ciclo de pais que condenam filhos apenas por terem planos diferentes de seus pais. O multiverso mostra a Evelyn como repetir as mesmas condutas apenas manteria o ciclo de trauma geracional, sendo necessário algo diferente para que ela pudesse reparar a relação com a filha.
Por vezes o filme se entrega a momentos muito expositivos nos quais essas mensagens sobre conflito existencial ou geracional são mastigadas sem sutileza para o espectador, como na cena da conversa entre as pedras. Ainda assim, é a verdade emocional transmitida pelas interações entre Michelle Yeoh, Stephanie Hsu e Ke Huy Quan que ancora o filme e nos faz acreditar nessas personagens mesmo diante de todo o caos que as cerca, emocionando de maneira inesperada.
Com humor, ação, afeto e caos Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo conquista
pela criatividade com a qual conduz sua trama e pela emotividade genuína que
traz aos seus personagens.
Nota: 9/10
Trailer
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