Depois dos eventos do segundo ano, Billy (Karl Urban) tenta manter em segurança o filho do Capitão Pátria (Antony Starr) ao mesmo tempo em que busca uma arma que possa derrotar o super. Ao mesmo tempo, Hughie (Jack Quaid) descobre que Victoria (Claudia Doumit) foi a responsável por explodir as cabeças no Capitólio e se questiona se os métodos implacáveis de Billy não seriam os melhores. Cada vez mais perturbado, o Capitão Pátria decide tomar o controle da Vought, ignorando as chantagens de Annie (Erin Moriarty) e as intimidações de Stan Edgar (Giancarlo Esposito).
Não tem como falar dessa temporada sem mencionar o trabalho de Anthony Starr em construir toda a instabilidade do Capitão Pátria. O ator consegue demonstrar como a fachada agressiva, irascível e violenta do personagem esconde um sujeito profundamente inseguro e carente, desesperado por qualquer módico de conexão humana. O Capitão é simultaneamente um sujeito assustador e patético. Uma combinação perigosa considerando o imenso poder dele e algo que o torna um vilão bastante imprevisível.
O modo como o Capitão se mostra completamente incapaz de gerenciar a Vought uma vez que toma o controle da empresa e se entrega à negação da realidade rejeitando comentar sobre o retorno de Soldier Boy (Jensen Ackles) e a ameaça que ele posa remete à onda de políticos populistas reacionários que chegaram ao poder nos últimos anos. Assim como na série, esses pretensos líderes reais não apenas se mostraram incompetentes como negaram a ciência em diversas situações, em relação à crise climática ou à pandemia da COVID-19. Num espelhamento do mundo real, a série mostra os perigos de dar poder a ególatras inseguros e estúpidos.
Falando em paralelos com o mundo real, o arco do Trem-Bala (Jessie T. Usher) é outro que tem muito a dizer sobre nosso mundo. A tentativa do velocista em se manter relevante na mídia ao explorar sua negritude mostra como celebridades se apropriam cinicamente de causas políticas e movimentos sociais para lucrarem, culminando até em uma divertida paródia da controversa propaganda da Pepsi protagonizada por Kylie Jenner.
O personagem, no entanto, acaba vivenciando consequências reais da violência perpetrada por super-heróis em comunidades negras, numa clara metáfora para a brutalidade policial do mundo real, mas, como de costume, as tentativas de Trem-Bala em resolver a situação terminam de maneira desastrosa. Que o velocista termine “curado” de seus problemas cardíacos ao receber o coração de um herói racista é uma excelente simbologia de como corporações tentam apagar o passado (e presente) de seu apoio à discriminação enquanto tentam criar uma imagem de preocupados com à diversidade. Afinal, Trem-Bala só volta a ter valor para a Vought com um coração racista batendo dentro dele.
Do outro lado, Billy se vê dividido entre seus impulsos mais destrutivos e a possibilidade de ainda manter um pouco da humanidade que lhe resta. Se no início da temporada ele joga as favas qualquer escrúpulo e até mesmo as relações com os aliados pela chance de matar o Capitão Pátria, ao fim da temporada Hughie o ajuda a perceber que ainda há bondade nele e que Billy não precisa agir como um escroto o tempo todo. Muito da jornada de Billy também se transforma pelas interações entre ele e Soldier Boy, já que o herói das antigas serve como um alerta do que Billy poderia se tornar se virasse as costas para qualquer resquício de humanidade e se importasse apenas consigo mesmo e com a missão. Na verdade, Billy, Soldier Boy e o Capitão Pátria são homens carentes, que cresceram com figuras paternas afetivamente distantes e ao longo da vida buscaram, sem sucesso, maneiras de encontrar esse afeto.
A temporada ainda encontra espaço para desenvolver personagens que até então tinham sido pouco explorados, trabalhando o passado e o estresse pós-traumático de Leitinho (Laz Alonso) em relação a Soldier Boy ou o histórico violento do Francês (Tomer Capone) como membro da máfia russa. Tudo bem que a trama do Francês é um pouco desconectada do resto das tramas principais, mas ainda assim é importante para entender como ele se tornou o que é e porque a relação com Kimiko (Karen Fukuhara) é tão importante para ele.
A série também continua sua tradição de violência e depravação absurdas, cujo melhor exemplo é o episódio Herogasm, que apresenta uma “supersuruba” entre os vários super-heróis, incluindo um instante em que o Profundo (Chace Crawford) recebe sexo oral de um polvo. O primeiro episódio da temporada já nos lembra o quanto The Boys pode ser insana nesse sentido ao mostrar o herói Termite encolhendo para entrar no corpo do namorado e depois explodindo-o de dentro para fora ao acidentalmente retornar ao tamanho normal. Não tem também como mencionar a cena em que Kimiko mata um grupo de criminosos armada apenas com consolos ou o embate dela com soldados da Vought ao som de Maniac de Michael Sembello (da trilha musical de Flashdance).
O desfecho da temporada chama atenção pelo clima de imprevisibilidade que a trama consegue dar ao conflito final envolvendo o Capitão Pátria, Billy e Soldier Boy. Isso começa pela decisão do Capitão em relação ao Black Noir (Nathan Mitchell). Considerando a amizade entre os dois construída pela série (e pelo derivado Diabólicos) eu nunca imaginaria que o Capitão agiria com tamanha violência ao descobrir os segredos que Noir escondia dele. A cena serve para mostrar o nível de paranoia do Capitão e como ele foi tão usado e manipulado por todas as pessoas ao seu redor durante a vida inteira que ele reage com extrema violência ao descobrir que fora enganado. O clímax oferece uma tensa batalha envolvendo boa parte dos personagens, ilustrando o grande poder do Soldier Boy (e o quanto ele é um babaca desumano).
A conclusão da temporada nos
deixa ansiosos pelo que virá a seguir ao mostrar um Capitão Pátria ainda mais
agressivo e celebrado por sua violência. Com sua típica ultraviolência e
absurdo, a terceira temporada de The Boys
acerta ao aprofundar seus vários personagens e no modo consistente com o qual
reflete sobre os tempos em que vivemos.
Nota: 9/10
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