A premissa básica é a mesma do livro. Na Inglaterra do século XIX Anne Elliot (Dakota Johnson) se apaixona por Wentworth (Cosmo Jarvis), mas é persuadida pela mentora e figura materna Lady Russell (Nikki Amuka-Bird) a se afastar dele por ser um homem sem posses ou prospectos. Oito anos depois Anne continua solteira e sua família a vê como um fracasso. O vaidoso pai de Anne, Sir Walter (Richard E. Grant), está atolado em dívidas e família precisa se mudar. Na cidade de Bath, Anne reencontra Wentworth, agora um condecorado oficial da marinha.
Já nos primeiros minutos fica evidente que o filme não vai funcionar por não conseguir estabelecer um mínimo de lógica interna. A trama original se desenvolvia de modo lento e deliberado, sendo uma das tramas mais melancólicas de Austen. Anne é uma sombra da mulher que fora um dia, consumida pela mágoa e arrependimento, melancólica e introspectiva. O filme, porém, resolve transformar Anne em uma mistura de Fleabag e Bridget Jones, que toma vinho, frequenta festas e fala diretamente com a câmera.
Mais uma vez ressalto que o problema não é em si a alteração, mas que essa mudança não faz sentido na lógica interna da trama. Aqui Anne é a alma de qualquer festa, sarcástica, sagaz, espirituosa, bem-humorada, chamando atenção por onde passa. Porque alguém assim, com tantos predicados e beleza ficaria oito anos sem um pretendente sequer na alta sociedade britânica do século XIX? Não faz sentido.
De cara o filme também já remove todas as barreiras ao romance entre Anne e Wentworth. Nos primeiros minutos Lady Russell se desculpa à protagonista por tê-la feito desistir da relação oito anos antes. No primeiro encontro entre Anne e Wentworth ele solta um suspiro tão longo ao vê-la que torna óbvio os sentimentos dele. Assim toda a incerteza se Wentworth estava ou não afeiçoado a Louisa (Nia Towle) desaparece instantaneamente. O que resta é uma trama sem drama, cujos conflitos ou inexistem ou soam artificiais porque a resolução já se desenhou de cara, tornando tudo um tedioso exercício de paciência.
O fato da protagonista falar diretamente para câmera e narrar tudo que acontece também acarreta em um excesso de exposição no qual o filme diz o tempo todo como os personagens agem e sentem, mostra muito pouco, tirando toda a sutileza que a trama deveria ter. A estruturação dos diálogos soa estranha por manter o linguajar da época, mas inserir do nada expressões e gírias contemporâneas, além de referências a memes, que soam deslocadas no contexto. Tudo soa como uma intervenção de algum produtor que pediu para fazer algo com a qual a juventude pudesse “se identificar”, como se o público atual só pudesse se conectar com um personagem que falasse como influencer, e o resultado são diálogos constrangedores.
Se a equipe criativa queria contemporizar a trama, porque não situá-la nos dias atuais como fizeram O Diário de Bridget Jones (2001), que adapta Orgulho e Preconceito, ou As Patricinhas de Beverly Hills (1995), que é basicamente Emma? Ou até fazer o que Baz Luhrmann fez em Romeu e Julieta (1996), trazendo a trama para os dias atuais e mantendo o diálogo em inglês arcaico para mostrar sua atemporalidade. Poderiam assumir integralmente uma linguagem e olhar mais pop como fez Bridgerton. Do jeito que está, com uma tentativa de linguagem moderninha se chocando com o realismo histórico que o filme tenta construir, tudo soa como uma bagunça tonal. Não dá para simultaneamente ser como Fleabag e tentar emular o estilo bucólico e contemplativo de outras adaptações de Austen como Razão e Sensibilidade (1995), de Ang Lee, ou Orgulho e Preconceito (2005), de Joe Wright.
Dakota Johnson faz o que o material exige dela e confere algum carisma à Anne, o problema é que isso vai de encontro ao que a própria trama tenta construir da jovem como uma mulher devastada, sorumbática e menosprezada. Cosmo Jarvis passa boa parte de suas cenas arfando e suspirando como Wentworth e faz dele um sujeito bastante unidimensional. O único destaque positivo é o trabalho de Richard E. Grant como o exagerado, extravagante e fútil pai de Anne, roubando todas as cenas em que aparece.
Falhando em compreender os
elementos mais básicos da construção dramática do material em que se baseia, Persuasão é uma das piores adaptações de
Jane Austen e todos os envolvidos deveriam ser terminantemente proibidos de
chegar perto de qualquer outra obra da romancista britânica. Mesmo ignorando
questões relativas à adaptação, o que se apresenta aqui é uma narrativa sem
drama, sem conflito, com personagens incoerentes e desinteressantes que não dão
nenhum motivo para o espectador se deixar envolver por eles.
Nota: 3/10
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