terça-feira, 19 de julho de 2022

Crítica – Persuasão

 

Análise Crítica – Persuasão

Review – Persuasão
Mais de uma vez eu já falei aqui que não me importo que uma adaptação mude elementos do texto original. Isso faz parte do esforço necessário para transpor um material de uma mídia para outra. Algumas adaptações inclusive conseguem se tornar melhores que o original por conta dessas mudanças como é o caso de The Boys, Tubarão (1975) ou E.T: O Extraterrestre (1982). A questão não é mudar elementos ou seguir à risca a obra, mas se manter fiel ao espírito e as ideias do material fonte. É nesse aspecto que Persuasão, mais nova adaptação do romance homônimo de Jane Austen, falha retumbantemente. É algo tão divorciado de sua fonte, tão incapaz de compreender suas ideias básicas e executá-las com alguma competência que sequer faz sentido querer ser uma adaptação da obra de Austen.

A premissa básica é a mesma do livro. Na Inglaterra do século XIX Anne Elliot (Dakota Johnson) se apaixona por Wentworth (Cosmo Jarvis), mas é persuadida pela mentora e figura materna Lady Russell (Nikki Amuka-Bird) a se afastar dele por ser um homem sem posses ou prospectos. Oito anos depois Anne continua solteira e sua família a vê como um fracasso. O vaidoso pai de Anne, Sir Walter (Richard E. Grant), está atolado em dívidas e família precisa se mudar. Na cidade de Bath, Anne reencontra Wentworth, agora um condecorado oficial da marinha.

Já nos primeiros minutos fica evidente que o filme não vai funcionar por não conseguir estabelecer um mínimo de lógica interna. A trama original se desenvolvia de modo lento e deliberado, sendo uma das tramas mais melancólicas de Austen. Anne é uma sombra da mulher que fora um dia, consumida pela mágoa e arrependimento, melancólica e introspectiva. O filme, porém, resolve transformar Anne em uma mistura de Fleabag e Bridget Jones, que toma vinho, frequenta festas e fala diretamente com a câmera.

Mais uma vez ressalto que o problema não é em si a alteração, mas que essa mudança não faz sentido na lógica interna da trama. Aqui Anne é a alma de qualquer festa, sarcástica, sagaz, espirituosa, bem-humorada, chamando atenção por onde passa. Porque alguém assim, com tantos predicados e beleza ficaria oito anos sem um pretendente sequer na alta sociedade britânica do século XIX? Não faz sentido.

De cara o filme também já remove todas as barreiras ao romance entre Anne e Wentworth. Nos primeiros minutos Lady Russell se desculpa à protagonista por tê-la feito desistir da relação oito anos antes. No primeiro encontro entre Anne e Wentworth ele solta um suspiro tão longo ao vê-la que torna óbvio os sentimentos dele. Assim toda a incerteza se Wentworth estava ou não afeiçoado a Louisa (Nia Towle) desaparece instantaneamente. O que resta é uma trama sem drama, cujos conflitos ou inexistem ou soam artificiais porque a resolução já se desenhou de cara, tornando tudo um tedioso exercício de paciência.

O fato da protagonista falar diretamente para câmera e narrar tudo que acontece também acarreta em um excesso de exposição no qual o filme diz o tempo todo como os personagens agem e sentem, mostra muito pouco, tirando toda a sutileza que a trama deveria ter. A estruturação dos diálogos soa estranha por manter o linguajar da época, mas inserir do nada expressões e gírias contemporâneas, além de referências a memes, que soam deslocadas no contexto. Tudo soa como uma intervenção de algum produtor que pediu para fazer algo com a qual a juventude pudesse “se identificar”, como se o público atual só pudesse se conectar com um personagem que falasse como influencer, e o resultado são diálogos constrangedores.

Se a equipe criativa queria contemporizar a trama, porque não situá-la nos dias atuais como fizeram O Diário de Bridget Jones (2001), que adapta Orgulho e Preconceito, ou As Patricinhas de Beverly Hills (1995), que é basicamente Emma? Ou até fazer o que Baz Luhrmann fez em Romeu e Julieta (1996), trazendo a trama para os dias atuais e mantendo o diálogo em inglês arcaico para mostrar sua atemporalidade. Poderiam assumir integralmente uma linguagem e olhar mais pop como fez Bridgerton. Do jeito que está, com uma tentativa de linguagem moderninha se chocando com o realismo histórico que o filme tenta construir, tudo soa como uma bagunça tonal. Não dá para simultaneamente ser como Fleabag e tentar emular o estilo bucólico e contemplativo de outras adaptações de Austen como Razão e Sensibilidade (1995), de Ang Lee, ou Orgulho e Preconceito (2005), de Joe Wright.

Dakota Johnson faz o que o material exige dela e confere algum carisma à Anne, o problema é que isso vai de encontro ao que a própria trama tenta construir da jovem como uma mulher devastada, sorumbática e menosprezada. Cosmo Jarvis passa boa parte de suas cenas arfando e suspirando como Wentworth e faz dele um sujeito bastante unidimensional. O único destaque positivo é o trabalho de Richard E. Grant como o exagerado, extravagante e fútil pai de Anne, roubando todas as cenas em que aparece.

Falhando em compreender os elementos mais básicos da construção dramática do material em que se baseia, Persuasão é uma das piores adaptações de Jane Austen e todos os envolvidos deveriam ser terminantemente proibidos de chegar perto de qualquer outra obra da romancista britânica. Mesmo ignorando questões relativas à adaptação, o que se apresenta aqui é uma narrativa sem drama, sem conflito, com personagens incoerentes e desinteressantes que não dão nenhum motivo para o espectador se deixar envolver por eles.

 

Nota: 3/10


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