terça-feira, 18 de outubro de 2022

Crítica – O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder

 

Análise Crítica – O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder

Review – O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder
Confesso que não estava exatamente empolgado para este O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder. Depois da decepcionante tentativa de forçar O Hobbit em uma trilogia, fazer uma série baseada nas lacunas da mitologia de Tolkien ou em um período sobre o qual ele escreveu de forma passageira em O Silmarillion tinha cara de que poderia dar muito errado. Mesmo a noção de que o espólio de Tolkien daria consultoria e acompanharia mais de perto a produção fez pouco para mudar minhas ressalvas. Felizmente o resultado é fiel ao espírito das narrativas e universo criados por Tolkien e ainda que tenha seus momentos de tomar algumas liberdades com elementos estabelecidos do cânone é, em geral, coerente com o material original.

A trama se passa durante a Segunda Era da Terra-Média. Morgoth, o primeiro Senhor do Escuro, foi derrotado e o continente vive em uma aparente paz. Galadriel (Morfydd Clark), no entanto, crê que a guerra ainda não acabou. Sauron, principal discípulo de Morgoth, segue vivo e Galadriel varre o continente em busca dele. Ao mesmo tempo, orques começam a se mobilizar nas terras do sul, ameaçando a população humana que ali vive. Em outra parte do continente, o cotidiano pacífico dos hobbits é alterado quando um Estranho (Daniel Weyman) cai dos céus.

Muito foi dito sobre o ritmo lento com o qual a trama caminha e, de fato, a série tem a mesma cadência deliberada que a prosa de Tolkien, o que não é um problema. Nem toda narrativa precisa ser sobre pontos de virada da trama, ter eventos bombásticos que mudam tudo a cada minuto. As vezes a trama é menos importante do que a experiência sensorial e emocional que é construída e isso sempre esteve no cerne da escrita de Tolkien, o senso de encantamento, de descoberta, de sentirmos que estamos realmente diante de um outro universo se desvelando diante dos nossos olhos.

A trilogia O Senhor dos Anéis dirigida por Peter Jackson conseguia trazer muito bem esse encantamento, a sensação de estarmos desbravando um novo mundo, conhecendo cada canto dele, testemunhando algo tão intrincadamente construído que poderia muito bem ser real. Pois Os Anéis do Poder consegue transmitir a mesma sensação, algo que tem sido cada vez mais raro em um contexto de produção constante de conteúdo em que universos ficcionais se tornam cada vez mais banalizados ao ponto que acompanhá-los se torna mais uma obrigação do que um prazer.

Para além do senso de encantamento, a série é fiel às ideias contidas nos textos de Tolkien. O combate das trevas e o risco de se deixar corromper por elas e a possibilidade de poder que apresentam é visto tanto no arco de Galadriel quanto nas tentativas de Elrond (Robert Aramayo) em entrar em acordo com os anões pelo minério mithril. Os perigos de isolar do resto do mundo e a necessidade e integração entre os povos aparecem no arco de Númenor e na jornada da regente Miriel (Cynthia Addai-Robinson), bem como no arco que mostra a amizade (e talvez algo mais) entre a humana Bronwyn (Nazanin Boniadi) e o elfo Arondir (Ismael Cruz Cordova). Os hobbits, por sua vez, seguem sendo um exemplo de comunhão com a natureza, de uma existência humilde que não tira do planeta nada mais do que precisa. É essa humanidade e ternura que faz Nori (Markella Kavanagh) se conectar com o Estranho. Um calor humano que no futuro fará Gandalf confiar o destino do continente a um Hobbit.

Outro mérito é que apesar de ser um prelúdio, a série muda os elementos suficientes para criar suspense mesmo sem fugir do cânone, algo que outras narrativas prelúdios, como a série Obi-Wan Kenobi, não conseguiram. Assim, há uma incerteza quanto a identidade de Sauron, mas Galadriel segue sendo a primeira a perceber as trevas quando ele se aproxima dos elfos sob a guisa de alguém que lhes dá presentes. Do mesmo modo, por mais que saibamos que Númenor afundará no oceano, a série traz elementos suficientes para nos deixar em dúvida de onde virá a perdição da próspera nação humana.

Ocasionalmente, porém, a narrativa alonga alguns mistérios por tempo demais. Já que não houve problema em revelar Sauron no fim da temporada, não há muito motivo para manter mistério em relação ao Estranho. Algumas de suas falas são reproduções de diálogos do Gandalf, o que talvez indique que essa é sua identidade, porém o mago cinzento só chegaria na Terra-Média na Terceira Era, então certamente há outra explicação. Ao invés de carregar essa dúvida até a próxima temporada, seria melhor ter respondido logo isso, já que são as relações entre os personagens e não os mistérios o ponto forte da série.

Embora tenha um ritmo deliberado, a série consegue entregar boas cenas de ação quando elas chegam. Galadriel mostra sua experiência em combate no treinamento dos homens de Númenor e na investida a cavalo nas terras sul, desviando dos inimigos sem sair da montaria. Também vemos Arondir e Bronwyn mostrar astúcia ao desenvolverem estratégias para resistirem a um grande exército de orques.

O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder é hábil em construir a sensação de encantamento de retornarmos a Terra-Média, sendo fiel ao espírito do universo criado por Tolkien.

 

Nota: 7/10


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