O filme consegue encontrar momentos em que ilustra como o trauma de Ani afeta sua vida presente, com elementos comuns do dia a dia servindo de gatilho para memórias traumáticas. Por outro lado, é difícil aderir a qualquer personagem por eles serem demasiadamente superficiais ou desprovidos de qualquer humanidade, soando como caricaturas unidimensionais, do noivo mauricinho babaca interpretado por Finn Wittrock, passando pela mãe vivida por Connie Britton que faz questão de maltratar Ani com seus comentários venenos o tempo todo.
Isso sem mencionar a própria Ani, cujas narrações são muitas vezes carregadas de uma futilidade que a torna insuportável. Tudo bem que a narrativa até justifica que a futilidade da personagem funciona como um mecanismo de defesa, mas o texto pesa a mão nesse aspecto de sua personalidade ao ponto de que não sobra muita coisa além desse elemento e o passado traumático. Assim, a própria Ani soa como uma personagem vazia.
Conforme a trama avança ela se torna menos sobre a ameaça de segredos do passado de Ani e mais sobre o trauma causado pelos abusos sofridos. A questão é que o filme não se contenta em explorar consequências de abuso e o machismo que estrutura nossa sociedade, como também em tratar do modo como a tendência de documentários sobre crimes revivem os traumas das vítimas e também tiroteios em massa nas escolas. São muitos elementos complexos que o filme passa muito rápido, não tendo nada consistente ou interessante.
O final ainda prejudica os temas centrais de trauma e superação ao resolver tudo muito fácil. Basta Ani publicar um editorial falando sobre as múltiplas violências que sofreu e imediatamente a opinião pública fica do lado dela, lhe dando o emprego dos sonhos. É difícil crer, dado os ambientes digitais de hoje, que uma mulher acusaria um sujeito adorado por seu ativismo político sem ser rechaçada de nenhuma maneira, sem ter pessoas a atacando ou opositores cavando ainda mais em seu passado tentando achar algum podre. Tudo soa fantasioso demais, mais uma vez fugindo da complexidade das questões tratadas.
Assim, Uma Garota de Muita Sorte tenta falar sobre o fardo de viver com um
trauma e injustiça, mas derrapa em um olhar simplório para os múltiplos temas
que tenta abordar.
Nota: 4/10
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